sábado, 3 de outubro de 2009

MINHA DOCE BALZAQUIANA (A MULHER DE TRINTA ANOS, DE BALZAC)


Tenho ouvido o termo balzaquiana empregado de diversas formas errôneas. Embora possa parecer óbvio para alguns, muitas pessoas não sabem que o termo originou-se, e rapidamente popularizou-se, a partir de um famoso romance do escritor francês Honoré de Balzac, “A mulher de trinta anos”, publicado em 1831 e 32. Balzaquiana trata-se, de fato, de uma referência elogiosa à mulher desta idade. Esta obra pode ser considerada como uma justa homenagem a todas as mulheres, àquelas que ainda serão balzaquianas, àquelas que o são e àquelas que já guardam a sua, já passada, balzaquiana idade.
O romance monta, a cada página, um magnífico quadro do quão bela e poderosa se torna a mulher na sua terceira década, fruto de um amadurecimento psíquico conjugado com a experiência de vida e, ainda, o ápice de sua mais bela forma física. Para resumir em poucas palavras só Balzac:
“Nessa bela idade de trinta anos, sumidade poética da vida das mulheres, elas podem abranger toda a sua vida e ver tão bem o passado como o futuro. As mulheres conhecem então todo o preço do amor e gozam-no com receio de perdê-lo: a sua alma possui ainda a beleza da mocidade que as abandona, e sua paixão é reforçada a cada instante pela idéia do futuro que as assusta.”

UM POUCO SOBRE BALZAC
            Honoré Balssa nasceu em Tours na França. Filho de um humilde funcionário público. Demonstrou, desde cedo, sua vocação pela vida aristocrática e pela literatura. Buscando parecer mais nobre, mudou seu sobrenome para Balzac. Após iniciar seus estudos fundamentais em Verdome, mudou-se para Paris em 1815, acompanhando seus pais, onde se formou em Direito. Embora não tenha seguido a carreira das leis, a experiência de dois anos de estágio lhe garantiu material para diversos trabalhos onde enfocava a problemática das leis francesas.
            Suas primeiras obras deixam claro sua vocação para as questões filosóficas, “Notas sobre a filosofia e a religião” (1817) e “Notas sobre a imortalidade da alma” (1818). Com Cromwell (1820), Balzac revolucionou o gênero da tragédia abordando um tema histórico recente.
            De 1822 a 1827, o escritor viveu da venda de romances publicados em folhetins, nos quais sempre usava um pseudônimo. Passou a usar seu nome apenas em 1829 com a publicação de “Os Chouans”, retratando os monarquistas que se rebelaram contra a Revolução Francesa. Dentre as diversas obras famosas, além da Mulher de trinta anos, podemos citar O Pai Goriot, na qual iniciou a repetição de personagens nas suas obras, a fim de dar verossimilhança na montagem do quadro social e psicológico de sua época. Sua obra completa foi publicada em dezessete volumes, de 1842 a 1848, a qual ele denominou A Comédia Humana. Dois volumes publicados em 1855, após a morte de Balzac, completaram a obra.
            Sua vida particular foi marcada por um longo relacionamento (dez anos) com uma mulher casada, Antoinette de Berny. Rejeitado por esta, lançou-se em outro relacionamento prolongado com a polonesa, também casada, Eveline Hanska.
            Eveline foi, de fato, o grande amor de sua vida. Amor que não pode ser vivido em sua plenitude. Após a morte de seu marido, Eveline aceitou casar-se com Honoré de Balzac em março de 1850. Balsac morreu cinco meses depois em 18 de agosto de 1850.
            Curiosamente em A mulher de trinta anos, Balzac se coloca, em primeira pessoa, como testemunha ocular de cenas marcantes, sem participar diretamente destas. Tal atitude pode se dever à necessidade de transmitir verossimilhança quanto às minúcias narradas ou, quem sabe, deixar transparecer traços de sua própria experiência ao viver um amor proibido.

A MULHER DE TRINTA ANOS
            Relata a vida de Julia, fazendo um acompanhamento de toda a sua existência. O plano de fundo é a sociedade parisiense do início do século XIX, coincidindo com o período da juventude do escritor naquela cidade, tendo como foco principal a sociedade aristocrática. A aura romântica de Paris ganha espetacular brilho nas detalhadas descrições dos cenários urbanos e provincianos.
            O autor insere um verdadeiro e puro amor na vida de Julia, que vive um casamento infeliz. Este amor é vivido platonicamente por ela e seu amante, Arthur, de modo a não ferir sua honra nem mesmo secretamente.
            Honoré de Balzac aponta o dilema do casamento infeliz onde a mulher, oprimida pela sociedade, mantém a sua honra a preço de uma desgraça pessoal, prostituindo-se diariamente no íntimo do contrato conjugal para agradar àquele a quem já não ama, sucumbindo à exigência cruel da sociedade. Assim diz a personagem Júlia:
“Tal é o nosso destino visto sob as sua duas faces: uma prostituição pública e a vergonha, (ou) uma prostituição secreta e a desgraça.”
O sofrimento por não poder viver este amor faz com que esta mãe negligencie o amor por sua filha Helena, mesmo após a morte de seu amante; pesado fardo que carregou por toda a vida.
Um novo amor secreto. O sofrimento prossegue. Júlia perde um de seus filhos devido a um acidente provocado por Helena. Apesar de tudo Júlia parece ter consciência de seu poder sobre os homens.
            Pode-se dizer que o autor foi cruel em não deixar sua personagem viver com alegria o momento esplendoroso de sua existência ou, talvez, quisesse deixar um alerta para as donzelas não cometerem os erros juvenis de Júlia. Também deixa um “Ensinamento” para as jovens no final do capítulo V, utilizando-se da agonia de Helena, filha mais velha de Júlia: “. . . a felicidade nunca se encontra, para uma jovem, em uma vida romanesca, fora das idéias recebidas e, principalmente, longe de sua mãe.”
A grande atualidade deste romance encontra-se nas espetaculares “sacadas” de Balzac com relação à psiquê feminina, pois certamente há uma carga psicológica na mulher que pouco muda com o passar dos séculos, mesmo entre as diferentes sociedades de nosso mundo. Neste aspecto também ele aponta traços do caráter do gênero humano que, ou sevem de alerta, ou simplesmente merecem uma reflexão.
            Para uma pequena degustação podemos extrair alguns trechos da obra:

TRAÇOS DA PSIQUE FEMININA
 “A paixão faz enorme progresso na mulher no momento em que ela julga ter procedido pouco generosa ou ter ferido alguma alma nobre.” (generosidade/ paixão)
“As moças sonham muitas vezes com uns seres nobres e encantadores, criaturas perfeitamente ideais, e assim forjam umas quiméricas fantasias acerca dos homens, dos sentimentos e do mundo. Depois elas atribuem inocentemente a um caráter as perfeições com que sonham, e nele porém, mais tarde, quando já não podem fugir à desgraça, a aparência enganadora que elas embelezaram, o seu primeiro ídolo, enfim, muda-se num esqueleto odioso.” (ilusão da paixão)
 “O que mais seduz as mulheres é encontrar nos amantes delicadezas graciosas, sentimentos tão sutis como os seus, porque nelas a graça e a delicadeza são os indícios do ‘verdadeiro’.” (pureza)
“Longe de testemunhar essa satisfação instintiva que qualquer mulher, por mais severa que seja, sente ao saber que há alguém infeliz por sua causa, . . .” (satisfação com a paixão que desperta)
“as mulheres preferem acreditar mais na ciência dos tecidos que na graça e perfeição daquelas (mulheres) que são feitas de molde a realçá-las.” (despeito)
“A sua presença afugentou o fantasma metafísico da razão.” (delírio)
 “. . . as indeléveis fraquezas da mulher pelos minuciosos cuidados que lhe merecem as mãos e os pés.” (capricho)

CARÁTER HUMANO
“Raciocinar sobre o que se deve sentir é próprio das almas sem profundidade.”
 “Se, graças a estas conspirações domésticas, muitos tolos passam por homens superiores, compensam o número de homens superiores que passam por tolos, de sorte que o Estado social tem sempre a mesma massa de capacidade aparente.”
“ . . .assim a dor, o mais constante dos nossos sentimentos, só seria realmente viva na sua primeira erupção. E  as suas outras crises iriam enfraquecendo, ou porque nos acostumamos a ela, ou por uma lei da nossa natureza que, para se manter viva, opõe a esta força destruidora uma força igual mais inerte, firmada nos cálculos do egoísmo.”
“. . ., a dessemelhança dos destinos é quase sempre um poderoso vínculo de amizade.”
            Lembrando-se da mãe dos pecados, Balzac deixa, discretamente e perdido entre diversas reflexões, um alerta para todos nós:
“Deve-se deixar a vaidade a quem não tem outra coisa a ostentar.”

Um comentário:

  1. O Post é um verdadeiro convite a uma visita a obra de Balzac, em verdade um pequeno "test-drive"; instigação à leitura do romance que inspirou essas tão bem escritas linhas do articulista.
    Eu de minha parte já saí à caça de um exemplar.
    Parabéns.

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