domingo, 15 de novembro de 2009

A CABANAGEM (PARTE III)

Durante a transmissão de governo de Vinagre para Rodrigues, muitos cabanos não aceitaram a questão do desarmamento, pois viam com muita desconfiança a “paciência e compreensão”do septuagenário Jorge Rodrigues. Por este motivo preferiram se retirar para os interiores carregando consigo suas armas.
Passados os primeiros momentos da transmissão do cargo de presidente, voltou-se ao status quo do despotismo português na província. Centenas de prisões sumárias de brasileiros foram realizadas nos meses em que seguiram o fato. A 27 de julho, Jorge Rodrigues rompeu qualquer compromisso com a legitimidade cabana e ordenou a prisão de todos os ex-lÍderes cabanos que se encontravam na capital. Cerca de 200 pessoas foram presas, entre elas Francisco Pedro Vinagre.
A notícia foi recebida com profunda revolta nos interiores da província. A revolução cabana estourou novamente, liderada por Antônio Vinagre (irmão do 2º presidente cabano) e Eduardo Angelim. No dia 29 de julho Eduardo Angelim, na Vila de Conde, lançou a Proclamação Revolucionária. Reiniciada a revolução Cabana, Antônio Vinagre como chefe supremo, deveria assumir a presidência da província e libertar seu irmão, Francisco Vinagre.
O brio e honra cabana não permitiu um ataque de surpresa à capital, por isso a 2 de agosto de 1835, Antônio Vinagre enviou uma carta-Ultimatum ao Presidente Legal, Jorge Rodrigues. Nesta, Antônio Vinagre exigia a soltura do irmão e os outros duzentos presos, avisando que se não o fizesse marcharia sobre Belém e do governo aí instituído não ficaria pedra sobre pedra. Voltamos àqueles momentos lendários em que o homem luta por um ideal, por sua terra e pelos seus entes. A ameaça de Antônio Vinagre seria cumprida a ferro, fogo e sangue.
Inicialmente Vinagre estabeleceu seu quartel-general numa fazenda na margem direita do rio Moju, onde se juntaram forças de Beja e vila Conde. A 14 de agosto já estavam acampado no sítio Murucutu, já às portas de Nazaré. Ali ouviram a vibrante proclamação de Vinagre, onde reconhecia suas fraquezas, falta de pólvora e armamento, contudo a mais clara certeza da vitória embalada pela santidade da causa. . . e a óbvia preferência pela morte no campo de batalha do que ter os pulsos algemados e arrastar pesada e infame cadeia.
Uma última tentativa diplomática cabana foi frustrada pela impetuosidade do velho Marechal que enviou sua força de mercenários alemães contra a coluna de Eduardo Angelim, estava precipitado o combate. A atitude suicida das forças cabanas parou o ataque alemão e os puseram em retirada. Angelim dividiu sua coluna em três pelotões e os manteve sob fogo cruzado, causando pânico e fuga nas tropas legalistas. Nova horda legalista desacelerara as focas cabanas, mas não as barraram. A coluna de Vinagre tinha a missão mais crítica e perigosa de tomar o Arsenal de Guerra. Exatamente às três horas da tarde, Antônio Vinagre a frente de sua coluna, como faziam os verdadeiros heróis, foi alvejado com um tiro certeiro na cabeça, caindo morto à terra que viera libertar.
Com seu principal líder morto as forças cabanas se desorganizaram e começaram a perder terreno. Animado com esta vitória, o Marechal Jorge Rodrigues enviou uma nova força de ataque comandada por seu próprio filho, Jerônimo Rodrigues. Neste meio tempo Eduardo Angelim assumiu o comando supremo cabano e reorganizou sua tropa. Agora os cabanos tinha um líder e um mártir, e seus sangues ferviam! Momentos depois, o velho Marechal teve de amargar sua estúpida decisão de enviar seu filho para se tornar um herói sobre os corpos cabanos, recebendo-o mortamente ferido e falecendo horas depois.

Eduardo Angelim - 3º Presidente Cabano
Os combates reiniciaram na manhã do dia 16 e em nove dias os cabanos conquistaram o Palácio do Governo. Quanto ao Arsenal, chegou aos nossos dias, pelo detalhado relato do Barão de Guajará, Domingos Antônio Raiol, as páginas mais impressionantes da história dos conflitos brasileiros. Diante do inexpugnável Arsenal os cabanos sofreram pesadas baixas sob uma chuva infindável de projetis e granadas. Na luta suicida sob corpos mutilados e deformados, com seus próprios corpos salpicados de sangue, os cabanos tentaram forçar a entrada pela única porta, chapeada em ferro. Por volta das sete horas do dia 16 uma fenda foi aberta e puderam ingressar num estreito corredor interrompido por outra porta de ferro que impedia a subida para o nível superior. Fendas circulares permitiam às forças legais abrirem fogo, abrigados, contra a massa de gente espremida no pequeno espaço. De um alçapão, aberto de repente, no topo, centenas de granadas despedaçavam os infelizes cabanos. As hordas de cabanos entravam sucessivamente sobre os cadáveres destroçados para continuar a tentativa em vão de arrombar a segunda porta. Para evitar a morte de todos os seus companheiros neste ataque suicida que não havia impulso de parar, Angelim deu a ordem de recuar e manter posição de defesa da área já conquistada. No dia seguinte novo ataque foi tentado, desta vez com um tronco para manter o alçapão aberto, o que não surtiu efeito, pois as granadas continuavam a cair e destroçar os cabanos. Tentativa de escalar as janelas também foi feita, contudo sem sucesso diante do cerrado fogo. Seis dias e uma infinidade de mortos, levaram Angelim a abandonar, a partir do dia 21, o ataque direto passando-se para a guerra de guerrilha e o cerco ao Arsenal. De resto, quase a totalidade da cidade já se encontrava em poder cabano. Na madrugada do dia 23 as forças legalistas se retiraram, junto com o presidente Jorge Rodrigues para bordo dos navios. Também para todos as famílias portuguesas que quiseram deixar a cidade e ir a bordo lhes foram permitida a fuga, sem que qualquer soldado cabano deixasse de fingir que não os viam!
Na manhã deste dia Angelim ocupou o Palácio do Governo. Iniciou-se o 3º Governo Cabano. Derrotado o Governo Legalista, Jorge Rodrigues determinou a John Taylor novo bombardeio da capita. Por mais nove dias Belém sofreu um infame bombardeio dos navios da Esquadra Imperial, sem que houvesse qualquer justificativa histórica para tal ato.
 Angelim, com apenas 21 anos de idade, se tornou o presidente mais jovem do Pará, assumindo um governo cujos planos, metas e diretrizes haviam ido para o túmulo com Batista Campos; procurou reestruturar as metas de governo cabano numa  tentativa de legitimidade do movimento e união do povo contra os desmando da Corte. Seria o mais duradouro dos governos cabanos. Procurou estabelecer uma padaria e um açougue para fornecer pão e carne para a população da cidade sitiada, organizou a defesa e o policiamento da capital, defendendo com rigor os direitos dos cidadãos e famílias que permaneceram em Belém. Durante seu governo, foi incentivada a volta à produção, principalmente de borracha. No entanto o severo bloqueio não permitia o livre comércio dos cabanos.
Sofrendo pela fome e falta de recursos, sobreveio a peste; um surto de varíola varreu a capital nos dois meses que se seguiram à vitória militar cabana. Padre Casimiro, secretário do Governo Angelim e último remanescente intelectual do projeto cabano veio a falecer da mesma forma que muitos de seus companheiros.
Enquanto Jorge Rodrigues mantinha um Governo Legal na ilha de Tatuoca, Angelim enviava emissários a todos os redutos amazônicos solicitando adesão e reconhecimento do movimento. Em 9 de março de 1836 a Vila do Tapajós (Santarém) reconheceu formalmente o Governo de Belém, seguiu seu exemplo a Vila de Manaus.

Diante da incapacidade de vitória sobre o já minguado exército cabano, a Corte nomeou novo presidente para a província do Pará, o Brigadeiro José de Souza Soares Andréia, português de nascimento e já conhecido na cidade de Belém. Seu nome eliminava toda e qualquer possibilidade de uma legalização do governo dentro da legitimidade cabana.
Andréia chegou à ilha de Tatuoca no dia 09 de abril de 1836 com sua esquadra. Assumiu imediatamente posse do cargo de presidente e Taylor foi substituído no comando da esquadra pelo capitão-de-fragata João Francisco Mariath.
A posse do Brigadeiro Andréia determinou uma intensificação no Bloqueio da capital cabana, minguando as últimas possibilidades de resistência. Uma intensa negociação se procedeu durante o mês seguinte, contudo sempre frustrada pela intransigência do velho Brigadeiro.

Sitiado e minguando, o Governo Cabano receberia a proposta francesa de ajuda para independência do Pará, mas Angelim, firme nos seus propósitos de obtenção de cidadania e não separação do Império, rejeitaria tal oferta, mesmo tendo de pagar o difícil preço da derrota!
Diante da penúria, fome e peste, o conselho Cabano decidiu-se por abandonar a capital e continuar a revolução pelos interiores. No dia 13 de maio de 1836, os cabanos furaram o intenso bloqueio e evadiram-se da cidade em pleno dia. Imediatamente iniciou-se o desembarque das forças de Andréia, a qual encontrou uma cidade completamente vazia e destruída. Depois de uma ano e meio de combate, três bombardeios e dois intensos bloqueios, Belém estava reduzida a escombros da revolução. Os cabanos, vencidos militar e politicamente na capital, retiraram-se para os interiores, principalmente em direção ao médio e alto Amazonas, onde subsistiram como guerra de resistência até 1840, enquanto se processava uma intensa perseguição a todo e qualquer homem com ideais liberais na Amazônia.
Preso e condenado, Angelim voltaria ao Pará, depois de sua anistia, em 1850 e, honrando suas dívidas de guerra, desfez-se de todos os seus bens, reuniu todos os seus credores e pagou cada centavo. Passou o resto de sua vida vivendo miseravelmente no interior, onde morreria, após sua esposa, doente e esquecido.
O preço pago por este povo foi extremamente elevado, as mortes decorrentes da Cabanagem (principalmente entre os homens) produziu um vazio populacional na Região Amazônica que levariam décadas a se recuperar.
Derrotados militar e politicamente, os ideais cabanos permaneceram e trazem suas marcas profundas no homem amazônico, além de ter influenciado o pensamento de todo o nosso país-continente.

3 comentários:

  1. Olá Marco, muito interessante os textos sobre o movimento da Cabanagem. Eu encontrei seu blog enquanto pesquisava sobre a Ilha de Tatuoca. Você por acaso tem mais informações sobre a importância histórica dessa ilha no contexto da cabanagem? Parece que a localização da ilha foi fundamental pra ser escolhida como sede do Governo Legal, mas houve algum outro motivo em particular?

    Parabéns pelo Blog!

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  2. Caro Gelderson, queira mandar um e-mail para hist.atualidades@gmail.com, para que possamos nos comunicar. Farei uma revisão no material que possuo sobre o assunto e lhe informo sobre o que conseguir. Um grande abraço!

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  3. muito bom o material, um pouco diferente do que - o Julio Chiavenato, diz em - as lutas do povo brasileiro!mais ta bom, quem não tem cão caça com gato.

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