RESUMO
A Revolta de Jacareacanga foi a primeira das duas
revoltas ocorridas no seio da Força Aérea Brasileira. Foi o resultado de um
crescente descontentamento das Forças Armadas com a política vigente no Brasil,
principalmente desde a morte de Getúlio Vargas em 1954.
A revolta foi liderada pelo, então, major Haroldo
Coinbra Velloso, que, em 11 de fevereiro de 1956, auxiliado por seu amigo e
correligionário de ideais, capitão Lameirão, roubaram uma aeronave Beechcraft
do Campo dos Afonsos e seguiram rumo ao Brasil Central, Jacareacanga, a fim de
estimularem os demais militares das três Forças a se rebelarem contra o regime
vigente. Imaginavam precipitar o golpe militar que só ocorreria oito anos mais
tarde.
O movimento não contou com o apoio esperado. Exceto
a adesão do major Paulo Vitor com uma aeronave C-47, alguns poucos militares
nas localidades em que passou e, ainda alguns caboclos, nenhum dos esquadrões
que Velloso esperava que aderisse se manifestou, a não ser para lhe dar
combate. Algo realmente falhou na hora H, pois estes homens personificavam o
pensamento da maioria dos militares de sua época. Fato confirmado
posteriormente com os acontecimentos que se desenrolaram entre a renúncia de
Jânio Quadros e o Golpe Militar de 1964.
A
REVOLTA DE JACAREACANGA, A FAB EM ARMAS NA AMAZÔNIA
Maj. Velloso e Cap. Lameirão |
A Revolta de Jacareacanga, ocorrida em fevereiro de
1956, foi a primeira das duas revoltas ocorridas no seio da Força Aérea
Brasileira (a segunda foi Aragarças em dezembro de 1959) e tinha o objetivo de
derrubar o Governo que era acusado de corrupto e envolvido com o Comunismo
Internacional. O movimento foi liderado pelo, então, major-aviador Haroldo
Coimbra Velloso, que contando com a ajuda do correligionário, capitão-aviador
Lameirão, roubou uma aeronave Beechcraft do Campo dos Afonsos, Rio de Janeiro,
e seguiu para o Brasil Central, Jacareacanga. Onde pretendia catalisar os
esforços de outros militares, recebendo aeronaves, principalmente de Salvador
(Ventura) e de Natal (B-25). Exceto a adesão do major Paulo Vitor com uma
aeronave C-47, nenhum apoio apareceu. A revolta foi sufocada até o final do mês
seguinte, mas o ânimo dos militares continuou a fervilhar até o desfecho final
do Golpe Militar de 1964.
Compreender o ânimo que levou um oficial de
altíssimo nível da Força Aérea Brasileira, com feitos memoráveis no
desbravamento da Região Amazônica e com uma carreira brilhante pela frente, a
assumir a vanguarda de um movimento
contra o Governo, roubando uma aeronave e iniciando uma revolta que
levaria às próprias Forças Armadas a combatê-lo, parece uma tarefa insana. Os
antecedentes históricos da Revolta de Jacareacanga, que deveria precipitar o
Golpe Militar que só ocorreu oito anos depois, poderiam nos responder alguns
questionamentos? De onde veio este ânimo que mudou radicalmente a vida e o agir
do major Haroldo Velloso? Quem falhou na hora H? Com que apoio este oficial
contava e que desapareceu ou mudou de ideia no momento em que não mais se podia
voltar atrás? O grupo de revoltosos era realmente tão pequeno que visivelmente
seria esmagado em menos de um mês? Se não era, por que a grande maioria
desistiu ou mudou de lado? Este oficial era insano e tentou sozinho precipitar
o Golpe ou foi um instrumento para se medir o clima político a fim de
identificar o momento certo que só anos depois chegaria ao ponto ideal para
agir? Quem foi Haroldo Velloso?
Responder a estes questionamentos e muitos outros
possibilitará resgatar um fragmento da história da Força Aérea e do Brasil que
tem sido esquecido ou apagado de nossas lembranças e dos bancos escolares por
mais de meio século. Este resgate histórico não teria validade se objetivasse
atribuir méritos ou deméritos para as personagens, pois os fatos, de uma forma
geral, já foram julgados pelo tribunal da história. Portanto, a busca no
momento é por se compreender o ânimo ou imaginário brasileiro, e em especial
das Forças Armadas, que precedeu ao Golpe Militar.
QUEM FOI HAROLDO VELLOSO?
Haroldo Coimbra Velloso nasceu no Rio de Janeiro a
4 de julho de 1920. Sentou praça no Exército em abril de 1939, na Escola
Militar de Realengo. Fez o curso de Engenharia Aérea e atingiu o posto de major
(posto no momento da Revolta de Jacareacanga) em 1951, já integrante da Força
Aérea Brasileira.
Velloso coordenou a construção da pista de
Cachimbo, inaugurada em 20 de janeiro de 1954. Da mesma forma, foi o
responsável pela construção da pista de Jacareacanga. Assim, abriu caminho para
a rota do Correio Aéreo Nacional do Rio de Janeiro até Manaus. O árduo trabalho
no Brasil Central e por toda a Amazônia o fez ser o oficial mais reconhecido e
conhecido por toda a Região Norte. Daí a sua grande influência sobre os
militares que serviam nos aeródromos desta rota, bem como os caboclo e índios,
muito contratados por ele para a abertura dos campos de pouso.
Em dezembro de 1959 participou, também, da Revolta
de Aragarças. Com os mesmos objetivos de Jacareacanga, esta revolta foi
debelada em apenas 36 horas e seus líderes fugiram para o Paraguai, Bolívia e
Argentina, apenas retornando ao Brasil em 1961, no Governo Jânio Quadros.
Em 1964, depois do Golpe Militar, Velloso solicitou
sua passagem para a reserva remunerada, no posto de Brigadeiro.
Nas eleições de 1966, elegeu-se deputado federal
pelo Pará pelo partido ARENA. Durante seu mantado dedicava especial atenção às
questões sobre grilagem na Amazônia e denunciava constantemente o grande número
de aeródromos clandestinos nesta região. Faleceu no Rio de Janeiro em 22 de
outubro de 1969.
A REVOLTA ARMADA
No sábado de carnaval de 11 de fevereiro de 1956 a
Base Aérea do Campo dos Afonsos foi palco de uma ação tranqüila, mas que
despertaria novamente todas as angústias das Forças Armadas contra o recém
empossado Presidente da República, Jucelino Kubitschek. O major aviador Haroldo
Velloso e o capitão José Chaves Lameirão, providenciaram o embarque de armas e
munições na aeronave Beechcraft 1523, da dotação daquela base e a prepararam
para voar. Esta movimentação suspeita levou a negativa de autorização por parte
da torre de controle para a decolagem. Mesmo sem autorização, e pegando os
controladores um tanto de surpresa, a aeronave decolou.
O “Beech” seguiu vôo para Uberlândia, onde Veloso
fez contato com alguns militares da FAB, depois para Xavantina e, finalmente, o
aeródromo de Cachimbo. Após chamar a atenção sobre Cachimbo, Velloso transferiu
seu QG para Jacareacanga. A missão fora planejada em total segredo, além dos
dois oficiais apenas duas outras pessoas sabiam que ela ocorreria. De súbito,
iniciaram-se as especulações sobre o verdadeiro propósito desta fuga na
madrugada. Algumas línguas felinas se divertiam espalhando a notícia de
que os oficiais ainda no ritmo do Carnaval resolveram levar belas moças para
passar um final de semana bucólico nas selvas do Tapajós e Xingu. No entanto,
um pequeno conhecimento do caráter destes oficiais já revelaria a verdadeira
intenção de tal empreitada.
Segundo o próprio Velloso em entrevista ao
jornalista da revista O Cruzeiro, Arlindo Silva, parte da Marinha, Exército e
Aeronáutica comungavam da insatisfação com o governo vigente e não suportaria a
perpetuação da situação com a eleição e posse de JK. Portanto o plano seria
formar um foco de efervescência político-militar nos sertões centrais do
Brasil, onde se tornaria quase impossível que forças legalistas os atingirem. O
difícil acesso a este foco demandaria muito tempo para que forças do Governo o
debelassem, o que daria tempo para que outros focos se formassem e
precipitassem a revolução. Por outro lado, um repressão rápida e feroz faria
despertar o ânimo para uma guerra civil e deposição do Presidente. Haroldo
imaginava um novo governo provisório que reformaria a lei eleitoral de forma a
coibir fraudes e realizar-se-iam eleições legítimas e populares.
A estratégia militar fica mais clara nas palavras
do capitão Lameirão:
“Nosso plano era iniciar efetivamente a revolução.
Era preciso que alguém o fizesse. Velloso e eu tomamos a iniciativa. Nosso
plano era apoderar-nos, logo de início da base de Cachimbo – e foi o que
fizemos. É preciso que se saiba que o Cachimbo fica mais ou menos equidistante
de Fortaleza, Recife, Natal e Salvador. Com a base em nossas mãos, seria fácil
aos camaradas que quisessem aderir, com seus B-25, as fortalezas Voadoras do
Nordeste, e os Ventura de Salvador, principalmente, voar diretamente ao
Cachimbo e ali lutar pela causa. Chamaríamos, também, as atenções da Nação para
aquele ponto e para a Amazônia, e isto poderia facilitar o levante no Sul.
Achávamos que alguém começando a revolução, ela se alastraria naturalmente.”
Aquele sábado guardou uma grande jornada para
Velloso e Lameirão. A autonomia do “Beech” não era grande e por isso foi
necessário pousos intermediários em Uberlândia, Aragarças, Xavantina, Cachimbo
e finalmente alcançando Jacareacanga dez horas mais tarde. Para dificultar as
informações sobre sua rota, inutilizaram os equipamentos de rádio de cada uma
destas localidades.
Após o pouso, interditaram o aeródromo
utilizando-se de tambores vazios de combustível.
O major Velloso era um verdadeiro sertanista; as
pistas de Cachimbo e Jacareacanga foram construídas sob sua supervisão e ele
era uma pessoa muito querida nesta região. De tal forma que ao pousar recebeu
apoio incondicional dos caboclos e índios que aí se encontravam.
O jornalista Arlindo Silva (revista O Cruzeiro) faz
um interessante relato de uma missão ocorrida cerca de um mês antes da revolta.
Esta missão contava como pilotos os majores Velloso e Paulo Vítor, e tinha como
objetivo interditar dezenas de pistas pela região de Mato-Grosso que eram
utilizadas por grileiros. Na verdade havia um grande império de venda ilegal de
terras, graças a concessões ilegais do governo do estado. Arlindo relatou
dezenas de pousos nos mais variados e precários campos de todo o estado, e o
minucioso levantamento do grande império fora da lei das “colonizadoras”.
Terminada a missão de Haroldo e Vitor, seguiram para Cachimbo, espetacular
trabalho de Haroldo Velloso. Com orgulho ele mostrou-lhe sua grande obra nos
sertões. A pista de pouso fora construída numa imensa laje de pedra, que fora
aplainada e fazia as vezes do concreto. A iluminação das casas vinha de uma
pequena usina que ele construíra aproveitando as quedas de uma cachoeira nas
proximidades. Também mencionou um grande viveiro de orquídeas em frente a
estação de passageiros que Velloso tinha com muito carinho e que contratara um
homem especialmente para cuidar delas e protegê-las contra as tentativas de
furto dos civis e militares que passavam por ali. Esta viagem fora empreendida
no momento em que Jucelino Kubitschek foi indicado como candidato à presidência
e, numa conversa em que participava o referido jornalista e Paulo Vitor, em tom
de pilheria disse:
“Que tal? Vocês não acham que este é um grande
lugar para se organizar um exército de caboclos e índios e esperar que a turma
do outro lado chegue até aqui? Garanto que eles demorariam um ano. Mas até que
chegassem. . .”
Talvez esta seja a gênesis do movimento, nascido
despretensiosamente num bate-papo, mas fomentada pelos acontecimentos
posteriores.
C-47 2059, momentos antes de suapartida de Santarém para Jacareacanga |
No final da tarde do dia 11 de fevereiro, o
Comandante da Primeira Zona Aérea chegava ao Rio de Janeiro, por volta das 17:30h
, e, sendo recebido no aeroporto pelo Brigadeiro Melo, tomou conhecimento do
fato ocorrido naquela manhã. Sua primeira providência foi entrar em contato
pelo rádio com o chefe de seu Estado-Maior, Coronel Almir dos Santos Policarpo,
para o qual transmitiu ordens de imediata ocupação dos campos de pouso de
Santarém e Itaituba. As tropas (da aeronáutica) destinadas a estes campos
ficariam respectivamente sob o comando dos tenentes Glazner e Chaves.
No dia seguinte, chegou em Belém, na base de
Val-de-Cans, o C-47 2059 do Primeiro Grupo de Transportes do Campo dos Afonsos.
Este era um vôo de rotina e procedia de Caiena. Era pilotado pelo major Paulo
Vitor e o tenente Petit. Depois de passar em Macapá, chegou a Belém do dia 12.
Aí recebeu ordens inicialmente de efetuar uma viagem para Porto Nacional.
Missão esta que veio a ser cancelada. A nova incumbência de Paulo Vitor seria
transportar tropas para o Tapajós, a fim de dar combate à Velloso e seus
homens. Vitor não teve conhecimento prévio das atividades do amigo para
organizar o levante e precipitar a revolução, contudo levar tropas para
combatê-lo o deixava num grande dilema, pois tinha uma grande amizade, de
muitos anos, com Velloso e Lameirão. Amizade consolidada, também, pelo árduo
trabalho na Amazônia. Por outro lado, negar-se a levar as tropas seria um ato
de insubordinação. Desta forma decidiu-se por cumprir a missão e, no final,
prestar solidariedade aos amigos. A forma como foi planejada a missão punitiva
acarretou na entrega fácil de Santarém e Itaituba aos revoltosos. Vejamos como
ocorreu.
Antes de Vitor, decolou de Belém o major José
Guilherme num Beechcraft com destino a Jacareacanga, levava consigo panfletos
para serem lançados sobre o aeródromo, que instigavam Velloso e seus
correligionários que se entregassem e a população para que desobstruíssem a
pista. Depois de Jacareacanga, seguiu para Santarém. Nesta localidade Guilherme
ordenou ao comandante do destacamento, tenente Braga, que seguisse para
Jacareacanga com a tropa que estava vindo no C-47 de Vitor e Petit. A ordem foi
cumprida e a consequência foi óbvia: Santarém ficou desguarnecida. Paulo Vitor
seguiu no dia 14, fazendo o primeiro pouso em Porto de Moz e deixando aí uma
fração da tropa que levava. Certamente esta fração deixada no Médio Amazonas
nunca lhe dariam combate, deixando claro a intenção de se juntar aos seus
velhos amigos. Em seguida Paulo Vitor partiu com o C-47 para Santarém e
Itaituba, deixando nesta última, outra
fração da tropa a comando do tenente Glozner. Cumpriu, a partir de então, a
última etapa de sua missão, seguindo para Jacareacanga. Neste aeródromo, não
teve dificuldades em pousar e logo teve sua aeronave cercada por dezenas de
homens. Velloso deu ordem de prisão a todos. Imediatamente após, Paulo Vitor
enviou um rádio para o Ministro da Aeronáutica confirmando total solidariedade
à causa rebelde. Os revoltosos ganhavam mais uma aeronave: o C-47 de Vitor. Os
que não aderiram ao movimento foram mantidos presos. Podendo articular melhor
com um C-47, Velloso deu ordens para que esta aeronave retornasse para
Itaituba, levando um contingente armado para dar combate às tropas ali
desembarcadas. Seguiu no comando da aeronave o capitão Lameirão e, em Itaituba,
o C-47 surpreendeu voltando no mesmo dia já em lado diferente do conflito,
permitindo uma rápida retomada do aeródromo. Ainda neste dia, retornou para
Jacareacanga levando preso o tenente Glozner, alguns graduados e soldados, após
ter deixando um contingente de ocupação naquele aeródromo.
Aeronave dos Diários associados |
No dia 15 foi a vez de Santarém, da mesma forma o
C-47 chegava no dia seguinte ao desembarque de tropas legalistas, já operado
pelos rebeldes, para render os pouco militares que aí permaneciam e ocupar o
aeródromo. Velloso e Lameirão seguiram nesta viagem, estando Paulo Vitor no comando
da aeronave.
Os revoltosos estabeleceram um QG no aeroporto de
Santarém, onde passaram a aguardar o desenrolar das medidas legais.
Depois da malfada “primeira medida” tomada pela 1º
Zona Aérea, a situação dos rebeldes era a seguinte: Santarém de posse dos
rebeldes com Haroldo Velloso e Lameirão comandando o QG nesta localidade;
Itaituba, aeródromo ocupado pelas forças rebeldes; Jacareacanga, a comando do
major Paulo Vitor, mantendo esta localidade preparada para a futura resistência
contra as tropas legalistas; Vila de Belterra, uma guarnição também foi posta
aí a fim de dar suporte a Santarém.
Do dia 15 ao dia 22, as forças rebeldes se
mantiveram com certa tranquilidade em suas posições, salvo alguma movimentação
entre Santarém e Jacareacanga. Os presos de Jacareacanga foram transportados
para Santarém, a fim de lhes dar melhores condições. Velloso nunca esqueceu que
estes presos também eram seus companheiros de armas, portanto lhes garantiu o
tratamento mais digno possível.
Enquanto esperavam no QG de Santarém, as coisas em
Belém ferviam. Uma Força Tarefa foi montada e estava sendo enviada às pressas
para dar combate a Velloso. Esta Força foi comandada pelo próprio Comandante da
1º Zona Aérea, Brigadeiro Alves Cabral, e estava embarcada no navio Getúlio
Vargas.
Navio Presidente Vargas que conduziu a Força Tarefa da Primeira Zona Aérea |
Sem muita atividade, os rebeldes passavam longas
horas monitorando as comunicações da 1º Zona Aérea (atualmente Primeiro Comando
Aéreo Regional) e os preparativos para a Força Tarefa que deviria dar-lhes
combate. Esta Força Tarefa seguia no navio Getúlio Vargas, mas os dias se
passavam e só o que viam, de fato, era a visita diária de um B-17 que procurava
por movimentação no aeroporto, mas que nunca fazia contato visual com qualquer aeronave rebelde. Transmitia
mensagens informando que os rebeldes deveriam ter abandonado Santarém. Durante
os dias de espera o “Beech” permanecia camuflado com galhos de arbustos a beira
da vegetação que circundava o aeródromo, sendo retirado desta posição apenas
uma vez por dia para um vôo de reconhecimento pelos rios Amazonas e Tapajós, e,
então, regressava para os arbustos.
Embora os rebeldes tenham assumido a
responsabilidade total pela revolta, dezenas de radiogramas chegavam e eram
enviados diariamente para os diversos contados de Haroldo Veloso, o que sugere
uma adesão moral, embora pouco prática. Através destes radiogramas também eram
informados das diversas prisões que ocorriam dentro da Aeronáutica, de oficiais
que se recusavam a participar dos combates contra o líder rebelde.
No dia 18 de fevereiro chegou ao aeroporto de
Santarém uma aeronave dos “Diários Associados”, esta trazia uma equipe de
jornalistas e fotógrafos que cobririam os fatos e entrevistariam as tropas
rebeldes durante os cinco dias seguintes. Cumpre deixar um elogio a esta equipe,
pois, graças a iniciativa destes intrépidos jornalista e fotógrafos, temos
relatos detalhados daqueles dias, laureados pelas idéias e impressos deste
líderes rebeldes. A equipe foi recebida por Velloso no dia 19, que lhes deu
carta branca para efetuar entrevistas e fotografar tudo que lhes interessasse.
No dia 22 de fevereiro, após alguma sensação de
combate num encontro sem consequências no dia anterior com um B-17, um Catalina
apareceu sobre o aeródromo de Santarém, estando o Beech fora de sua camuflagem.
Desta maneira o Catalina 6514 preparou-se para o ataque. Velloso e Lameirão,
vendo que iriam partir para o confronto, deram ordens para seus homens se
posicionarem e revidar o fogo. As rajadas das metralhadoras de nariz do
Catalina, bem como os tiros disparados de terra nada acertaram, contudo
produziu a antológica foto divulgada na Revista O Cruzeiro que mostra o capitão
Lameirão abrigado por um velho canhão (monumento) revidando, de metralhadora em
punho, os disparos do Catalina.
Cap. Lameirão revidando as rajadas disparadas de um Catalina |
Após este episódio, o capitão Lameirão realizou um
novo voo de patrulha e, como não conhecia o navio Getúlio Vargas, ao ver o
navio “Lobo D’Almeida” que ingressava no porto de Santarém, acreditou que a
Força Tarefa, comandada pelo Brigadeiro Alves Cabral, já estava próximo de realizar
seu desembarque. Lameirão tinha intenção de abastecer o “Beech” e armar com as
bombas, recém carregadas para bombardear o suposto navio Presidente Vargas
antes que as tropas desembarcassem. No entanto, mais prudente, Veloso imaginou
que um ataque à Força Tarefa, com o navio já no porto, não impediria que a
tropa desembarcassem e logo teriam o campo de pouso tomado e seriam presos. Por
isso, deu a ordem de embarcar todo o material bélico e combustível no C-47 de
Paulo Victor e preparar para a partido em direção a Jacareacanga. Abandonariam
Santarém. Esta decisão realmente evitou uma tragédia: o bombardeio, por engano,
de um navio de passageiros. O verdadeiro navio Presidente Vargas se encontrava
nas imediações de Monte Alegre e só realizariam o desembarque em Santarém dois
dias depois. A decolagem do C-47 (Velloso e Paulo Vitor) e do Beechcraft
(Lameirão e o artilheiro Cazuza) ocorreu por volta das 19 horas, levando
armamento munição e 25 homens leais. O voo heróico destes homens, realizado à
noite e sob más condições meteorológicas, terminou em Jacareacanga às 21 horas,
tendo apenas um lampião de querosene para iluminar cada uma das cabeceiras da
pista.
Após uma noite tranquila, animada apenas pelos
“carapanans” que assumiam o serviço hematófago dos “piuns” durante a noite,
decolava na manhã de 23, Lameirão no Beech rumo a Itaituba. A ideia era
libertar alguns presos (tenente-médico Adonay e dois sargentos), trazendo
daquela localidade 5 homens seus. Aconteceu que estes homens já haviam deixado
Itaituba, por via fluvial, e no aeródromo havia uma emboscada armada por
autoridades legais. Na chegada Lameirão informou a senha prevista, o que não
foi correspondida pelo pessoal de terra. Desconfiado, retornou a Jacareacanga
com todos a bordo. Esta tarefa passou ao cabo Cazuza, que a realizaria pelo rio
Tapajós, além de armadilhar o pequeno trecho de 15 Km, não navegável pelo
Tapajós, e que deveria ser cumprido por terra. No dia seguinte, Velloso decidiu
sair de barco com mais cinco homens em direção a Pimental para fazer fogo às
tropas legalistas que se aproximavam.
A cerca de 80 Km de Jacareacanga existe um pequeno
campo de pouso que era cuidado por um grupamento de sete homens armados com
carabinas. Existe, também, uma Missão Franciscana de padres alemães, Missão São
Francisco do Cururu. Este campo de pouso serviria de retaguarda para
Jacareacanga. Contudo, no dia 25, aeronaves PA-10 Catalina do 1º Esquadrão do
2º Grupo de Aviação desceram aí, ocupando o campo e desembarcando uma força de
40 homens. Levando, assim, a ameaça das forças legalistas às portas do QG de
Jacareacanga. Diante da ameaça tão próxima, Lameirão voou para Pimental e
lançou uma mensagem para Velloso, informando do ocorrido e solicitando seu
retorno para Jacareacanga. Nova tentativa de chamar Velloso de volta ocorreu no
dia 27, quando o mesmo estava em São Luis (do Tapajós), mas não foi possível o
contato. Nesta noite ocorreu o choque direto das tropas legalistas com o grupo
de Velloso, levando a morte de um de seus seguidores, Cazuza, metralhado pelas
costas.
Isolados em Jacareacanga e sem contato com seu
líder, os revoltosos presenciaram, no dia 28, bombardeiros lançarem panfletos
aconselhando a rendição e exortando a população a deixar Jacareacanga. Também
neste dia um B-25 metralhou o terminal de passageiros do aeródromo. O
Brigadeiro Cabral, comandante da Força Tarefa, sobrevoou Jacareacanga no
comando de um Beech para falar com Vitor e Lameirão e convencê-los a se render
antes do ataque àquela localidade. No entanto, como não tinham contato ainda
com seu líder, não quiseram decidir, queriam esperar mais um dia para que desse
tempo para ele chegar, caso contrário consideravam uma traição se entregar sem
nem mesmo saber quais eram as novas ordens de Velloso. Neste mesmo dia, na 1º
Zona Aérea, O Comandante interino, coronel Almir dos Santos Polycarpo,
lembrou-se de enviar um ofício à Auditoria da 8º Região Militar, solicitando a
prisão preventiva dos Majores Haroldo Velloso e Paulo Victor da Silva, do
capitão José Chaves Lameirão e do 1º sargento Jorge João Gunther Pfiffer.
O dia 29 era o dia D para Jacareacanga. O
Brigadeiro Alves Cabral comandaria o ataque pessoalmente. De Santarém decolavam
os Catalinas que levavam as tropas de pára-quedistas (para desembarque anfíbio)
e os B-25 carregados de bombas e munição para as metralhadoras. Ás 10 horas o
Brigadeiro Alves estava sobre Jacareacanga no comando do Beechcraft para saber
a posição de Lameirão e Vitor, caso não fosse a rendição comandaria o ataque a
Jacareacanga. Ainda sem uma posição de Velloso, os revoltosos solicitaram mais
um dia de prazo. Isso irritou o brigadeiro, que mandou que iniciassem o ataque.
Diversas ordens foram dadas via rádio, inclusive metralhar a estação de
passageiros,contudo só a pista foi metralhada. As B-25 não lançaram suas
bombas.
Diante dos rasantes e rajadas disparadas das B-25,
os caboclos que apoiavam os rebeldes partiram em retirada, ficando Lameirão e
Vitor apenas com 12 homens de confiança. Os três Catalinas logo pousaram na
água e desembarcaram 45 pára-quedistas, que eram comandados pelo coronel Santa
Rosa. Diante do sucesso do desembarque dos Catalinas, o brigadeiro Cabral
retornou para Itaituba para reabastecer. Logo ao descer da aeronave, o
Brigadeiro foi recebido por um caboclo que informava haver um homem loiro do
outro lado do rio se dizendo repórter. Não podia ser outra pessoa, senão
Velloso. Imediatamente foi enviada uma patrulha que seguiu na lancha do vigário
local, frei Vitório. Uma hora depois retornaram com Velloso preso.
O próprio Brigadeiro Cabral levou Velloso,
inicialmente para Santarém, no Beech 1512. O líder rebelde foi escoltado todo o
tempo pelo major Celso Neves.
Enquanto Velloso voava preso, o capitão Lameirão e
o major Vitor empreendiam uma fuga espetacular no C-47 que permanecera
camuflado até o momento da desobstrução da pista e rápida decolagem. A medida
que a aeronave ganhava velocidade os galhos de arbustos que camuflavam a
aeronave iam se desprendendo pelos ares. Uma B-25 que patrulhava o aeródromo
tentou persegui-los, mas conseguiram se camuflar nas nuvens e despistá-la. Mil
e quinhentos quilômetros a frente, pousariam em Santa Cruz de La Sierra para o
exílio na Bolívia.
Veloso, posteriormente foi conduzido para Belém,
onde respondeu a Inquérito Policial Militar e, depois, para o Rio de Janeiro,
onde foi preso. No dia seguinte a sua prisão em Itaituba, Jucelino Kubtschek
enviou para o Congresso o anteprojeto de uma lei de anistia política para todos
que houvessem conspirado contra o governo desde 10 de novembro de 1955. A qual
beneficiaria o próprio Velloso. Sendo anistiado, retornou às fileiras da FAB,
servindo até o posto de brigadeiro, requerendo sua entrada para a reserva
remunerada em 1964, após o Golpe Militar.
Velloso conduzido preso para Itaituba |
QUEM FALHOU NA HORA H?
Havia diversos rumores de muita gente envolvida com
a revolta, Brigadeiro Eduardo Gomes, o General Juarez Távora, muito oficiais da
Marinha, Exército e Aeronáutica. Contudo, esta versão nunca se confirmou. Pelo
contrário, já no exílio na Bolívia, o capitão José Chaves Lameirão informou ao
seu entrevistador, jornalista Jorge Ferreira (O Cruzeiro) que nem mesmo
conhecia estas personalidades pessoalmente, muito menos que eles tivessem um
comprometimento com esta revolta especificamente.
Nesta entrevista Lameirão fez questão de delimitar
bem os motivos que os levaram a pegar em armas, ou seja, o estado deplorável de
corrupção em que o governo Brasileiro estava metido e que levara ao suicídio de
Vargas em 1954. Na verdade, após esta data os ânimos militares fervilharam cada
vez mais. Nas palavras de Haroldo Velloso (para o jornalista Arlindo Silva, O
Cruzeiro) enquanto se encontrava no seu QG improvisado em Santarém, a grande
oportunidade se deu em agosto de 1955, por ocasião da célebre reunião no Clube
da Aeronáutica, com a presença dos Ministros Lott, Amorim do Valle e Eduardo
Gomes, quando o General Canrobert Pereira da Costa fez seu histórico discurso
político-militar. Certo é que neste momento a revolta ou revolução já existia
intrinsecamente no pensamento e imaginário da maioria dos militares
brasileiros. Era um momento de quase geração espontânea de levantes em diversas
partes do país e nos mais diversos setores, não só militar. Ocorre que o tempo
passou e esta geração espontânea não ocorreu. Portanto faltava apenas um
pequeno empurrão para que eclodisse de maneira irreversível. E este empurrão
era a idéia central de Velloso e Lameirão.
Ainda utilizando-se da palavras de Lameirão no
exílio, os revoltosos não foram traídos na hora H, não falharam com eles porque
não havia um compromisso prévio. Embora informasse que tiveram algumas falhas,
como a de dois civis que deveriam fazer o link entre as diversas bases. Estes
civis não tiveram seus nomes revelados.
Analisando-se de fora, e passados mais de 50 anos,
percebe-se que o sigilo mantido por Velloso e Lameirão, o que é sempre
importante em movimentos que podem ser desbaratados antes da eclosão, neste
caso os prejudicou, pois seus próprios companheiros de ideais foram pegos de
surpresa e permaneceram inertes e, principalmente: sem compromisso com a causa!
Outro fato que chama a atenção é a inexistência de
uma grande patente na direção do movimento que fosse capaz de arrastar os
indecisos.
Certo é que muitos oficiais generais comungavam da mesma
cartilha, mas estes também foram pegos de surpresa e não tinham o
comprometimento com a causa. Corrobora com esta idéia o fato de Velloso ter
declarado em Santarém que ele não estava na direção do movimento (e
efetivamente estava e teve de assumi-lo em seguida). Certamente era uma maneira
de oferecer a direção do movimento à alguma autoridade militar de grande
patente. Daí também a origem dos boatos de que haviam generais que o traíram na
hora H.
CREPÚSCULO
Resumindo esta fantástica história, pode-se dizer
que Haroldo Velloso personificou o pensamento político-militar de sua época,
comprovado pela sucessão de fatos ocorridos entre 1956 e 1964. É certo que lhe faltou o apoio
na hora H, mas escreveu, com a ajuda de alguns poucos correligionários as
primeiras páginas da história que marcaria o Brasil durante toda a segunda
metade do século XX.
Foi herói do desbravamento da Amazônia até 1956,
foi herói e criminoso naquele ano, passou a ser o herói que se tentava esquecer
nos anos que se seguiram, finalmente entrou para a história como herói a ser
lembrado por tudo que fez durante toda a sua vida militar e na reserva.
Hoje em dia, uma de suas monumentais obras, a base
de Cachimbo, cuja pista fundou em 20 de janeiro de 1954, leva seu nome
(rebatizada em 1995): Campo de Provas Brigadeiro Velloso.
Um visitante neste baluarte da Força Aérea na
Amazônia Meridional poderá ver, ainda hoje, em pose imponente, dirigindo seus
subordinados, o major Haroldo Coimbra Velloso!
Homenagem a Vellos, Campo de Provas Brigadeiro Velloso - Cachimbo, PA VEJA IMAGENS ORIGINAIS DA REVOLTA DE JACAREACANGA |
Meu pai foi cabo da PA e participou da revolta de jacareacanga, contra os rebelados.Depois foi repórter policial em B.Conheceu e foi amigo de roberto Stucker e de Murilo Melo e filho hoje imortal da ABL, que por sua vez foi amigo de Adolfo Bloch e Jucelino.Meu avô, foi contador de adolfo Bloch.Tem muitos heróis anônimos por aí. Atenciosamente , Cláudio Rocha.
ResponderExcluirNa realidade o Brigadero Haroldo Veloso, fois preso na fzaenda de meu Avô, o Sr. MANUEL LAURO FIGUEIRA DE MENDONÇA, no PARANÁMIRIM.
ResponderExcluirCaro senhor, seu comentário é historicamente muito interessante, caso tenha mais alguma informação sobre a fazenda, seu avô ou sobre o episódio, queira entrar em contato pelo e-mail "hist.atualidades@gmail.com".
ExcluirUm abraço,
Marco Túlio.
O relato sobre a revolta do Veloso, em Jacareacanga, apesar da riqueza de detalhes, deixa lacunas que poderiam ser preenchidas pelos momentos de pânico causados pelas rajadas de metralhadoras sobre o vilarejo de Jacareacanga. Fui testemunha ocular...Ainda criança, lembro-me da fuga das famílias ao se embrenharem na mata diante da ameaça de bombardeio que transformaria em cinzas as frágeis moradas de pau-pique dos humildes moradores. Detalhes conto em meu meu Livro: " /viagem ao Passado". Com o despreparo dos caboclos e índios da região, jamais haveria resistência ao poderio bélico das forças legalistas. A maioria não sabia manobrar armamentos militares e desconheciam táticas de guerrilhas.
ResponderExcluirCaro senhor(a), seu relato como testemunha ocular dos fatos tem relevância histórica, peço a gentileza de enviar e-mail para hist.atualidades@gmail.com contanto sua experiência para que possamos divulgá-la. Procurei seu livro pela internet e acabei encontrando dois títulos com o mesmo nome (Viagem ao Passado), um é de Alcindo Flores Cabral (1975) e outro de Umbelina Frota (2002); é um destes? Dê-nos mais detalhes e impressões daquela época. A população em geral sabia o que estava acontecendo na Capital do País? Apoiavam os revoltosos ou o Governo? Ou nem sabia o que estava acontecendo? Suas lembranças certamente serão muito importantes! Grande abraço!
ExcluirMarco Túlio
Caro Marco,meu livro "Viagem ao passado", é um livro autobiografico que ainda está em fase de elaboração. O que posso de adiantar são narrativas sobre a fundação de Jacaracanga, na década de 50, pela Fundação Brasil Central, onde meu pai trabalhou, e a revolta de Jacareacanga, cujo acontecimento causou pânico a comunidade de caboclos e indigenas da região. As pessoas que apoiavam Veloso o acompanharam mais por amizade a esse militar do que pela causa que o movia contra o governo de JK. Quando meu livro estiver pronto pronto prometo colocar em meu blog para vc ler.
ResponderExcluirCaro senhor,
ExcluirTambém me interessa essa história toda que envolveu a figura ímpar do brigadeiro Veloso. Mais tarde, já como deputado, envolveu-se na tentativa de reempossar o prefeito de Santarém, Elias Pinto, que tentava voltar ao cargo.
Gostaria de adquirir o livro.
meu e-mail é: valentim@bloguedovalentim.com
Obrigado.
Sou filha do Lameirao tenho 3 álbuns com recortes dos jornais da época das 2 revoluções santarém e jacareacanga
ExcluirMuito legal, mesmo! Aguardamos com ansiedade o lançamento de seu livro! Essas memórias são muito importantes para nossa história!
ExcluirGrande abraço!
Veja no google player, livro: Revolta de Jacareacanga. Nele tem detalhes interessantes
ResponderExcluirCaro amigo, não encontrei nada no Google Player. Teria algum link?
ExcluirO nome do frei é Vitorino. Meu avô viveu neste período e percebeu está errata
ResponderExcluirGostaria de conhecer as causas da morte do Brig Velloso, com apenas 49 anos de idade. Alguém sabe?
ResponderExcluirPelo que sei, Velloso foi alvejado em Santarém em 1968, quando era deputado federal pelo Pará. Na ocasião participava de uma manifestação política de recondução do prefeito cassado Elias Pinto à prefeitura daquela cidade. Os ferimentos lhe teriam deixado sequelas que o debilitaram bastante, vindo a falecer no ano seguinte, no Rio de Janeiro, por complicações cardíacas.
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