domingo, 22 de novembro de 2009

A REVOLTA DE JACAREACANGA, A FAB EM ARMAS NA AMAZÔNIA




RESUMO

A Revolta de Jacareacanga foi a primeira das duas revoltas ocorridas no seio da Força Aérea Brasileira. Foi o resultado de um crescente descontentamento das Forças Armadas com a política vigente no Brasil, principalmente desde a morte de Getúlio Vargas em 1954.
A revolta foi liderada pelo, então, major Haroldo Coinbra Velloso, que, em 11 de fevereiro de 1956, auxiliado por seu amigo e correligionário de ideais, capitão Lameirão, roubaram uma aeronave Beechcraft do Campo dos Afonsos e seguiram rumo ao Brasil Central, Jacareacanga, a fim de estimularem os demais militares das três Forças a se rebelarem contra o regime vigente. Imaginavam precipitar o golpe militar que só ocorreria oito anos mais tarde.
O movimento não contou com o apoio esperado. Exceto a adesão do major Paulo Vitor com uma aeronave C-47, alguns poucos militares nas localidades em que passou e, ainda alguns caboclos, nenhum dos esquadrões que Velloso esperava que aderisse se manifestou, a não ser para lhe dar combate. Algo realmente falhou na hora H, pois estes homens personificavam o pensamento da maioria dos militares de sua época. Fato confirmado posteriormente com os acontecimentos que se desenrolaram entre a renúncia de Jânio Quadros e o Golpe Militar de 1964.
 
A REVOLTA DE JACAREACANGA, A FAB EM ARMAS NA AMAZÔNIA
Maj. Velloso e Cap. Lameirão
 A Revolta de Jacareacanga, ocorrida em fevereiro de 1956, foi a primeira das duas revoltas ocorridas no seio da Força Aérea Brasileira (a segunda foi Aragarças em dezembro de 1959) e tinha o objetivo de derrubar o Governo que era acusado de corrupto e envolvido com o Comunismo Internacional. O movimento foi liderado pelo, então, major-aviador Haroldo Coimbra Velloso, que contando com a ajuda do correligionário, capitão-aviador Lameirão, roubou uma aeronave Beechcraft do Campo dos Afonsos, Rio de Janeiro, e seguiu para o Brasil Central, Jacareacanga. Onde pretendia catalisar os esforços de outros militares, recebendo aeronaves, principalmente de Salvador (Ventura) e de Natal (B-25). Exceto a adesão do major Paulo Vitor com uma aeronave C-47, nenhum apoio apareceu. A revolta foi sufocada até o final do mês seguinte, mas o ânimo dos militares continuou a fervilhar até o desfecho final do Golpe Militar de 1964.
Compreender o ânimo que levou um oficial de altíssimo nível da Força Aérea Brasileira, com feitos memoráveis no desbravamento da Região Amazônica e com uma carreira brilhante pela frente, a assumir a vanguarda de um movimento  contra o Governo, roubando uma aeronave e iniciando uma revolta que levaria às próprias Forças Armadas a combatê-lo, parece uma tarefa insana. Os antecedentes históricos da Revolta de Jacareacanga, que deveria precipitar o Golpe Militar que só ocorreu oito anos depois, poderiam nos responder alguns questionamentos? De onde veio este ânimo que mudou radicalmente a vida e o agir do major Haroldo Velloso? Quem falhou na hora H? Com que apoio este oficial contava e que desapareceu ou mudou de ideia no momento em que não mais se podia voltar atrás? O grupo de revoltosos era realmente tão pequeno que visivelmente seria esmagado em menos de um mês? Se não era, por que a grande maioria desistiu ou mudou de lado? Este oficial era insano e tentou sozinho precipitar o Golpe ou foi um instrumento para se medir o clima político a fim de identificar o momento certo que só anos depois chegaria ao ponto ideal para agir? Quem foi Haroldo Velloso?
Responder a estes questionamentos e muitos outros possibilitará resgatar um fragmento da história da Força Aérea e do Brasil que tem sido esquecido ou apagado de nossas lembranças e dos bancos escolares por mais de meio século. Este resgate histórico não teria validade se objetivasse atribuir méritos ou deméritos para as personagens, pois os fatos, de uma forma geral, já foram julgados pelo tribunal da história. Portanto, a busca no momento é por se compreender o ânimo ou imaginário brasileiro, e em especial das Forças Armadas, que precedeu ao Golpe Militar.

QUEM FOI HAROLDO VELLOSO?
Haroldo Coimbra Velloso nasceu no Rio de Janeiro a 4 de julho de 1920. Sentou praça no Exército em abril de 1939, na Escola Militar de Realengo. Fez o curso de Engenharia Aérea e atingiu o posto de major (posto no momento da Revolta de Jacareacanga) em 1951, já integrante da Força Aérea Brasileira.
Velloso coordenou a construção da pista de Cachimbo, inaugurada em 20 de janeiro de 1954. Da mesma forma, foi o responsável pela construção da pista de Jacareacanga. Assim, abriu caminho para a rota do Correio Aéreo Nacional do Rio de Janeiro até Manaus. O árduo trabalho no Brasil Central e por toda a Amazônia o fez ser o oficial mais reconhecido e conhecido por toda a Região Norte. Daí a sua grande influência sobre os militares que serviam nos aeródromos desta rota, bem como os caboclo e índios, muito contratados por ele para a abertura dos campos de pouso.
Em dezembro de 1959 participou, também, da Revolta de Aragarças. Com os mesmos objetivos de Jacareacanga, esta revolta foi debelada em apenas 36 horas e seus líderes fugiram para o Paraguai, Bolívia e Argentina, apenas retornando ao Brasil em 1961, no Governo Jânio Quadros.
Em 1964, depois do Golpe Militar, Velloso solicitou sua passagem para a reserva remunerada, no posto de Brigadeiro.
Nas eleições de 1966, elegeu-se deputado federal pelo Pará pelo partido ARENA. Durante seu mantado dedicava especial atenção às questões sobre grilagem na Amazônia e denunciava constantemente o grande número de aeródromos clandestinos nesta região. Faleceu no Rio de Janeiro em 22 de outubro de 1969.

A REVOLTA ARMADA
No sábado de carnaval de 11 de fevereiro de 1956 a Base Aérea do Campo dos Afonsos foi palco de uma ação tranqüila, mas que despertaria novamente todas as angústias das Forças Armadas contra o recém empossado Presidente da República, Jucelino Kubitschek. O major aviador Haroldo Velloso e o capitão José Chaves Lameirão, providenciaram o embarque de armas e munições na aeronave Beechcraft 1523, da dotação daquela base e a prepararam para voar. Esta movimentação suspeita levou a negativa de autorização por parte da torre de controle para a decolagem. Mesmo sem autorização, e pegando os controladores um tanto de surpresa, a aeronave decolou.
O “Beech” seguiu vôo para Uberlândia, onde Veloso fez contato com alguns militares da FAB, depois para Xavantina e, finalmente, o aeródromo de Cachimbo. Após chamar a atenção sobre Cachimbo, Velloso transferiu seu QG para Jacareacanga. A missão fora planejada em total segredo, além dos dois oficiais apenas duas outras pessoas sabiam que ela ocorreria. De súbito, iniciaram-se as especulações sobre o verdadeiro propósito desta fuga na madrugada. Algumas línguas felinas  se divertiam espalhando a notícia de que os oficiais ainda no ritmo do Carnaval resolveram levar belas moças para passar um final de semana bucólico nas selvas do Tapajós e Xingu. No entanto, um pequeno conhecimento do caráter destes oficiais já revelaria a verdadeira intenção de tal empreitada.
Segundo o próprio Velloso em entrevista ao jornalista da revista O Cruzeiro, Arlindo Silva, parte da Marinha, Exército e Aeronáutica comungavam da insatisfação com o governo vigente e não suportaria a perpetuação da situação com a eleição e posse de JK. Portanto o plano seria formar um foco de efervescência político-militar nos sertões centrais do Brasil, onde se tornaria quase impossível que forças legalistas os atingirem. O difícil acesso a este foco demandaria muito tempo para que forças do Governo o debelassem, o que daria tempo para que outros focos se formassem e precipitassem a revolução. Por outro lado, um repressão rápida e feroz faria despertar o ânimo para uma guerra civil e deposição do Presidente. Haroldo imaginava um novo governo provisório que reformaria a lei eleitoral de forma a coibir fraudes e realizar-se-iam eleições legítimas e populares.
A estratégia militar fica mais clara nas palavras do capitão Lameirão:
“Nosso plano era iniciar efetivamente a revolução. Era preciso que alguém o fizesse. Velloso e eu tomamos a iniciativa. Nosso plano era apoderar-nos, logo de início da base de Cachimbo – e foi o que fizemos. É preciso que se saiba que o Cachimbo fica mais ou menos equidistante de Fortaleza, Recife, Natal e Salvador. Com a base em nossas mãos, seria fácil aos camaradas que quisessem aderir, com seus B-25, as fortalezas Voadoras do Nordeste, e os Ventura de Salvador, principalmente, voar diretamente ao Cachimbo e ali lutar pela causa. Chamaríamos, também, as atenções da Nação para aquele ponto e para a Amazônia, e isto poderia facilitar o levante no Sul. Achávamos que alguém começando a revolução, ela se alastraria naturalmente.”
Aquele sábado guardou uma grande jornada para Velloso e Lameirão. A autonomia do “Beech” não era grande e por isso foi necessário pousos intermediários em Uberlândia, Aragarças, Xavantina, Cachimbo e finalmente alcançando Jacareacanga dez horas mais tarde. Para dificultar as informações sobre sua rota, inutilizaram os equipamentos de rádio de cada uma destas localidades.
Após o pouso, interditaram o aeródromo utilizando-se de tambores vazios de combustível.
O major Velloso era um verdadeiro sertanista; as pistas de Cachimbo e Jacareacanga foram construídas sob sua supervisão e ele era uma pessoa muito querida nesta região. De tal forma que ao pousar recebeu apoio incondicional dos caboclos e índios que aí se encontravam.
O jornalista Arlindo Silva (revista O Cruzeiro) faz um interessante relato de uma missão ocorrida cerca de um mês antes da revolta. Esta missão contava como pilotos os majores Velloso e Paulo Vítor, e tinha como objetivo interditar dezenas de pistas pela região de Mato-Grosso que eram utilizadas por grileiros. Na verdade havia um grande império de venda ilegal de terras, graças a concessões ilegais do governo do estado. Arlindo relatou dezenas de pousos nos mais variados e precários campos de todo o estado, e o minucioso levantamento do grande império fora da lei das “colonizadoras”. Terminada a missão de Haroldo e Vitor, seguiram para Cachimbo, espetacular trabalho de Haroldo Velloso. Com orgulho ele mostrou-lhe sua grande obra nos sertões. A pista de pouso fora construída numa imensa laje de pedra, que fora aplainada e fazia as vezes do concreto. A iluminação das casas vinha de uma pequena usina que ele construíra aproveitando as quedas de uma cachoeira nas proximidades. Também mencionou um grande viveiro de orquídeas em frente a estação de passageiros que Velloso tinha com muito carinho e que contratara um homem especialmente para cuidar delas e protegê-las contra as tentativas de furto dos civis e militares que passavam por ali. Esta viagem fora empreendida no momento em que Jucelino Kubitschek foi indicado como candidato à presidência e, numa conversa em que participava o referido jornalista e Paulo Vitor, em tom de pilheria disse:
“Que tal? Vocês não acham que este é um grande lugar para se organizar um exército de caboclos e índios e esperar que a turma do outro lado chegue até aqui? Garanto que eles demorariam um ano. Mas até que chegassem. . .”
Talvez esta seja a gênesis do movimento, nascido despretensiosamente num bate-papo, mas fomentada pelos acontecimentos posteriores.
C-47 2059, momentos antes de suapartida de Santarém para Jacareacanga

 No final da tarde do dia 11 de fevereiro, o Comandante da Primeira Zona Aérea chegava ao Rio de Janeiro, por volta das 17:30h , e, sendo recebido no aeroporto pelo Brigadeiro Melo, tomou conhecimento do fato ocorrido naquela manhã. Sua primeira providência foi entrar em contato pelo rádio com o chefe de seu Estado-Maior, Coronel Almir dos Santos Policarpo, para o qual transmitiu ordens de imediata ocupação dos campos de pouso de Santarém e Itaituba. As tropas (da aeronáutica) destinadas a estes campos ficariam respectivamente sob o comando dos tenentes Glazner e Chaves.
No dia seguinte, chegou em Belém, na base de Val-de-Cans, o C-47 2059 do Primeiro Grupo de Transportes do Campo dos Afonsos. Este era um vôo de rotina e procedia de Caiena. Era pilotado pelo major Paulo Vitor e o tenente Petit. Depois de passar em Macapá, chegou a Belém do dia 12. Aí recebeu ordens inicialmente de efetuar uma viagem para Porto Nacional. Missão esta que veio a ser cancelada. A nova incumbência de Paulo Vitor seria transportar tropas para o Tapajós, a fim de dar combate à Velloso e seus homens. Vitor não teve conhecimento prévio das atividades do amigo para organizar o levante e precipitar a revolução, contudo levar tropas para combatê-lo o deixava num grande dilema, pois tinha uma grande amizade, de muitos anos, com Velloso e Lameirão. Amizade consolidada, também, pelo árduo trabalho na Amazônia. Por outro lado, negar-se a levar as tropas seria um ato de insubordinação. Desta forma decidiu-se por cumprir a missão e, no final, prestar solidariedade aos amigos. A forma como foi planejada a missão punitiva acarretou na entrega fácil de Santarém e Itaituba aos revoltosos. Vejamos como ocorreu.
Antes de Vitor, decolou de Belém o major José Guilherme num Beechcraft com destino a Jacareacanga, levava consigo panfletos para serem lançados sobre o aeródromo, que instigavam Velloso e seus correligionários que se entregassem e a população para que desobstruíssem a pista. Depois de Jacareacanga, seguiu para Santarém. Nesta localidade Guilherme ordenou ao comandante do destacamento, tenente Braga, que seguisse para Jacareacanga com a tropa que estava vindo no C-47 de Vitor e Petit. A ordem foi cumprida e a consequência foi óbvia: Santarém ficou desguarnecida. Paulo Vitor seguiu no dia 14, fazendo o primeiro pouso em Porto de Moz e deixando aí uma fração da tropa que levava. Certamente esta fração deixada no Médio Amazonas nunca lhe dariam combate, deixando claro a intenção de se juntar aos seus velhos amigos. Em seguida Paulo Vitor partiu com o C-47 para Santarém e Itaituba, deixando  nesta última, outra fração da tropa a comando do tenente Glozner. Cumpriu, a partir de então, a última etapa de sua missão, seguindo para Jacareacanga. Neste aeródromo, não teve dificuldades em pousar e logo teve sua aeronave cercada por dezenas de homens. Velloso deu ordem de prisão a todos. Imediatamente após, Paulo Vitor enviou um rádio para o Ministro da Aeronáutica confirmando total solidariedade à causa rebelde. Os revoltosos ganhavam mais uma aeronave: o C-47 de Vitor. Os que não aderiram ao movimento foram mantidos presos. Podendo articular melhor com um C-47, Velloso deu ordens para que esta aeronave retornasse para Itaituba, levando um contingente armado para dar combate às tropas ali desembarcadas. Seguiu no comando da aeronave o capitão Lameirão e, em Itaituba, o C-47 surpreendeu voltando no mesmo dia já em lado diferente do conflito, permitindo uma rápida retomada do aeródromo. Ainda neste dia, retornou para Jacareacanga levando preso o tenente Glozner, alguns graduados e soldados, após ter deixando um contingente de ocupação naquele aeródromo.
Aeronave dos Diários associados
 No dia 15 foi a vez de Santarém, da mesma forma o C-47 chegava no dia seguinte ao desembarque de tropas legalistas, já operado pelos rebeldes, para render os pouco militares que aí permaneciam e ocupar o aeródromo. Velloso e Lameirão seguiram nesta viagem, estando Paulo Vitor no comando da aeronave.
Os revoltosos estabeleceram um QG no aeroporto de Santarém, onde passaram a aguardar o desenrolar das medidas legais.
Depois da malfada “primeira medida” tomada pela 1º Zona Aérea, a situação dos rebeldes era a seguinte: Santarém de posse dos rebeldes com Haroldo Velloso e Lameirão comandando o QG nesta localidade; Itaituba, aeródromo ocupado pelas forças rebeldes; Jacareacanga, a comando do major Paulo Vitor, mantendo esta localidade preparada para a futura resistência contra as tropas legalistas; Vila de Belterra, uma guarnição também foi posta aí a fim de dar suporte a Santarém.
Do dia 15 ao dia 22, as forças rebeldes se mantiveram com certa tranquilidade em suas posições, salvo alguma movimentação entre Santarém e Jacareacanga. Os presos de Jacareacanga foram transportados para Santarém, a fim de lhes dar melhores condições. Velloso nunca esqueceu que estes presos também eram seus companheiros de armas, portanto lhes garantiu o tratamento mais digno possível.
Enquanto esperavam no QG de Santarém, as coisas em Belém ferviam. Uma Força Tarefa foi montada e estava sendo enviada às pressas para dar combate a Velloso. Esta Força foi comandada pelo próprio Comandante da 1º Zona Aérea, Brigadeiro Alves Cabral, e estava embarcada no navio Getúlio Vargas.
Navio Presidente Vargas que conduziu a Força Tarefa da Primeira Zona Aérea
 Sem muita atividade, os rebeldes passavam longas horas monitorando as comunicações da 1º Zona Aérea (atualmente Primeiro Comando Aéreo Regional) e os preparativos para a Força Tarefa que deviria dar-lhes combate. Esta Força Tarefa seguia no navio Getúlio Vargas, mas os dias se passavam e só o que viam, de fato, era a visita diária de um B-17 que procurava por movimentação no aeroporto, mas que nunca fazia contato visual com  qualquer aeronave rebelde. Transmitia mensagens informando que os rebeldes deveriam ter abandonado Santarém. Durante os dias de espera o “Beech” permanecia camuflado com galhos de arbustos a beira da vegetação que circundava o aeródromo, sendo retirado desta posição apenas uma vez por dia para um vôo de reconhecimento pelos rios Amazonas e Tapajós, e, então, regressava para os arbustos.
Embora os rebeldes tenham assumido a responsabilidade total pela revolta, dezenas de radiogramas chegavam e eram enviados diariamente para os diversos contados de Haroldo Veloso, o que sugere uma adesão moral, embora pouco prática. Através destes radiogramas também eram informados das diversas prisões que ocorriam dentro da Aeronáutica, de oficiais que se recusavam a participar dos combates contra o líder rebelde.
No dia 18 de fevereiro chegou ao aeroporto de Santarém uma aeronave dos “Diários Associados”, esta trazia uma equipe de jornalistas e fotógrafos que cobririam os fatos e entrevistariam as tropas rebeldes durante os cinco dias seguintes. Cumpre deixar um elogio a esta equipe, pois, graças a iniciativa destes intrépidos jornalista e fotógrafos, temos relatos detalhados daqueles dias, laureados pelas idéias e impressos deste líderes rebeldes. A equipe foi recebida por Velloso no dia 19, que lhes deu carta branca para efetuar entrevistas e fotografar tudo que lhes interessasse.
No dia 22 de fevereiro, após alguma sensação de combate num encontro sem consequências no dia anterior com um B-17, um Catalina apareceu sobre o aeródromo de Santarém, estando o Beech fora de sua camuflagem. Desta maneira o Catalina 6514 preparou-se para o ataque. Velloso e Lameirão, vendo que iriam partir para o confronto, deram ordens para seus homens se posicionarem e revidar o fogo. As rajadas das metralhadoras de nariz do Catalina, bem como os tiros disparados de terra nada acertaram, contudo produziu a antológica foto divulgada na Revista O Cruzeiro que mostra o capitão Lameirão abrigado por um velho canhão (monumento) revidando, de metralhadora em punho, os disparos do Catalina.
Cap. Lameirão revidando as rajadas disparadas de um Catalina
 Após este episódio, o capitão Lameirão realizou um novo voo de patrulha e, como não conhecia o navio Getúlio Vargas, ao ver o navio “Lobo D’Almeida” que ingressava no porto de Santarém, acreditou que a Força Tarefa, comandada pelo Brigadeiro Alves Cabral, já estava próximo de realizar seu desembarque. Lameirão tinha intenção de abastecer o “Beech” e armar com as bombas, recém carregadas para bombardear o suposto navio Presidente Vargas antes que as tropas desembarcassem. No entanto, mais prudente, Veloso imaginou que um ataque à Força Tarefa, com o navio já no porto, não impediria que a tropa desembarcassem e logo teriam o campo de pouso tomado e seriam presos. Por isso, deu a ordem de embarcar todo o material bélico e combustível no C-47 de Paulo Victor e preparar para a partido em direção a Jacareacanga. Abandonariam Santarém. Esta decisão realmente evitou uma tragédia: o bombardeio, por engano, de um navio de passageiros. O verdadeiro navio Presidente Vargas se encontrava nas imediações de Monte Alegre e só realizariam o desembarque em Santarém dois dias depois. A decolagem do C-47 (Velloso e Paulo Vitor) e do Beechcraft (Lameirão e o artilheiro Cazuza) ocorreu por volta das 19 horas, levando armamento munição e 25 homens leais. O voo heróico destes homens, realizado à noite e sob más condições meteorológicas, terminou em Jacareacanga às 21 horas, tendo apenas um lampião de querosene para iluminar cada uma das cabeceiras da pista.
Após uma noite tranquila, animada apenas pelos “carapanans” que assumiam o serviço hematófago dos “piuns” durante a noite, decolava na manhã de 23, Lameirão no Beech rumo a Itaituba. A ideia era libertar alguns presos (tenente-médico Adonay e dois sargentos), trazendo daquela localidade 5 homens seus. Aconteceu que estes homens já haviam deixado Itaituba, por via fluvial, e no aeródromo havia uma emboscada armada por autoridades legais. Na chegada Lameirão informou a senha prevista, o que não foi correspondida pelo pessoal de terra. Desconfiado, retornou a Jacareacanga com todos a bordo. Esta tarefa passou ao cabo Cazuza, que a realizaria pelo rio Tapajós, além de armadilhar o pequeno trecho de 15 Km, não navegável pelo Tapajós, e que deveria ser cumprido por terra. No dia seguinte, Velloso decidiu sair de barco com mais cinco homens em direção a Pimental para fazer fogo às tropas legalistas que se aproximavam.
A cerca de 80 Km de Jacareacanga existe um pequeno campo de pouso que era cuidado por um grupamento de sete homens armados com carabinas. Existe, também, uma Missão Franciscana de padres alemães, Missão São Francisco do Cururu. Este campo de pouso serviria de retaguarda para Jacareacanga. Contudo, no dia 25, aeronaves PA-10 Catalina do 1º Esquadrão do 2º Grupo de Aviação desceram aí, ocupando o campo e desembarcando uma força de 40 homens. Levando, assim, a ameaça das forças legalistas às portas do QG de Jacareacanga. Diante da ameaça tão próxima, Lameirão voou para Pimental e lançou uma mensagem para Velloso, informando do ocorrido e solicitando seu retorno para Jacareacanga. Nova tentativa de chamar Velloso de volta ocorreu no dia 27, quando o mesmo estava em São Luis (do Tapajós), mas não foi possível o contato. Nesta noite ocorreu o choque direto das tropas legalistas com o grupo de Velloso, levando a morte de um de seus seguidores, Cazuza, metralhado pelas costas.
Isolados em Jacareacanga e sem contato com seu líder, os revoltosos presenciaram, no dia 28, bombardeiros lançarem panfletos aconselhando a rendição e exortando a população a deixar Jacareacanga. Também neste dia um B-25 metralhou o terminal de passageiros do aeródromo. O Brigadeiro Cabral, comandante da Força Tarefa, sobrevoou Jacareacanga no comando de um Beech para falar com Vitor e Lameirão e convencê-los a se render antes do ataque àquela localidade. No entanto, como não tinham contato ainda com seu líder, não quiseram decidir, queriam esperar mais um dia para que desse tempo para ele chegar, caso contrário consideravam uma traição se entregar sem nem mesmo saber quais eram as novas ordens de Velloso. Neste mesmo dia, na 1º Zona Aérea, O Comandante interino, coronel Almir dos Santos Polycarpo, lembrou-se de enviar um ofício à Auditoria da 8º Região Militar, solicitando a prisão preventiva dos Majores Haroldo Velloso e Paulo Victor da Silva, do capitão José Chaves Lameirão e do 1º sargento Jorge João Gunther Pfiffer.
O dia 29 era o dia D para Jacareacanga. O Brigadeiro Alves Cabral comandaria o ataque pessoalmente. De Santarém decolavam os Catalinas que levavam as tropas de pára-quedistas (para desembarque anfíbio) e os B-25 carregados de bombas e munição para as metralhadoras. Ás 10 horas o Brigadeiro Alves estava sobre Jacareacanga no comando do Beechcraft para saber a posição de Lameirão e Vitor, caso não fosse a rendição comandaria o ataque a Jacareacanga. Ainda sem uma posição de Velloso, os revoltosos solicitaram mais um dia de prazo. Isso irritou o brigadeiro, que mandou que iniciassem o ataque. Diversas ordens foram dadas via rádio, inclusive metralhar a estação de passageiros,contudo só a pista foi metralhada. As B-25 não lançaram suas bombas.
Diante dos rasantes e rajadas disparadas das B-25, os caboclos que apoiavam os rebeldes partiram em retirada, ficando Lameirão e Vitor apenas com 12 homens de confiança. Os três Catalinas logo pousaram na água e desembarcaram 45 pára-quedistas, que eram comandados pelo coronel Santa Rosa. Diante do sucesso do desembarque dos Catalinas, o brigadeiro Cabral retornou para Itaituba para reabastecer. Logo ao descer da aeronave, o Brigadeiro foi recebido por um caboclo que informava haver um homem loiro do outro lado do rio se dizendo repórter. Não podia ser outra pessoa, senão Velloso. Imediatamente foi enviada uma patrulha que seguiu na lancha do vigário local, frei Vitório. Uma hora depois retornaram com Velloso preso.
O próprio Brigadeiro Cabral levou Velloso, inicialmente para Santarém, no Beech 1512. O líder rebelde foi escoltado todo o tempo pelo major Celso Neves.
Enquanto Velloso voava preso, o capitão Lameirão e o major Vitor empreendiam uma fuga espetacular no C-47 que permanecera camuflado até o momento da desobstrução da pista e rápida decolagem. A medida que a aeronave ganhava velocidade os galhos de arbustos que camuflavam a aeronave iam se desprendendo pelos ares. Uma B-25 que patrulhava o aeródromo tentou persegui-los, mas conseguiram se camuflar nas nuvens e despistá-la. Mil e quinhentos quilômetros a frente, pousariam em Santa Cruz de La Sierra para o exílio na Bolívia.
Veloso, posteriormente foi conduzido para Belém, onde respondeu a Inquérito Policial Militar e, depois, para o Rio de Janeiro, onde foi preso. No dia seguinte a sua prisão em Itaituba, Jucelino Kubtschek enviou para o Congresso o anteprojeto de uma lei de anistia política para todos que houvessem conspirado contra o governo desde 10 de novembro de 1955. A qual beneficiaria o próprio Velloso. Sendo anistiado, retornou às fileiras da FAB, servindo até o posto de brigadeiro, requerendo sua entrada para a reserva remunerada em 1964, após o Golpe Militar.
Velloso conduzido preso para Itaituba
QUEM FALHOU NA HORA H?
Havia diversos rumores de muita gente envolvida com a revolta, Brigadeiro Eduardo Gomes, o General Juarez Távora, muito oficiais da Marinha, Exército e Aeronáutica. Contudo, esta versão nunca se confirmou. Pelo contrário, já no exílio na Bolívia, o capitão José Chaves Lameirão informou ao seu entrevistador, jornalista Jorge Ferreira (O Cruzeiro) que nem mesmo conhecia estas personalidades pessoalmente, muito menos que eles tivessem um comprometimento com esta revolta especificamente.
Nesta entrevista Lameirão fez questão de delimitar bem os motivos que os levaram a pegar em armas, ou seja, o estado deplorável de corrupção em que o governo Brasileiro estava metido e que levara ao suicídio de Vargas em 1954. Na verdade, após esta data os ânimos militares fervilharam cada vez mais. Nas palavras de Haroldo Velloso (para o jornalista Arlindo Silva, O Cruzeiro) enquanto se encontrava no seu QG improvisado em Santarém, a grande oportunidade se deu em agosto de 1955, por ocasião da célebre reunião no Clube da Aeronáutica, com a presença dos Ministros Lott, Amorim do Valle e Eduardo Gomes, quando o General Canrobert Pereira da Costa fez seu histórico discurso político-militar. Certo é que neste momento a revolta ou revolução já existia intrinsecamente no pensamento e imaginário da maioria dos militares brasileiros. Era um momento de quase geração espontânea de levantes em diversas partes do país e nos mais diversos setores, não só militar. Ocorre que o tempo passou e esta geração espontânea não ocorreu. Portanto faltava apenas um pequeno empurrão para que eclodisse de maneira irreversível. E este empurrão era a idéia central de Velloso e Lameirão.
Ainda utilizando-se da palavras de Lameirão no exílio, os revoltosos não foram traídos na hora H, não falharam com eles porque não havia um compromisso prévio. Embora informasse que tiveram algumas falhas, como a de dois civis que deveriam fazer o link entre as diversas bases. Estes civis não tiveram seus nomes revelados.
Analisando-se de fora, e passados mais de 50 anos, percebe-se que o sigilo mantido por Velloso e Lameirão, o que é sempre importante em movimentos que podem ser desbaratados antes da eclosão, neste caso os prejudicou, pois seus próprios companheiros de ideais foram pegos de surpresa e permaneceram inertes e, principalmente: sem compromisso com a causa!
Outro fato que chama a atenção é a inexistência de uma grande patente na direção do movimento que fosse capaz de arrastar os indecisos.
Certo é que muitos oficiais generais comungavam da mesma cartilha, mas estes também foram pegos de surpresa e não tinham o comprometimento com a causa. Corrobora com esta idéia o fato de Velloso ter declarado em Santarém que ele não estava na direção do movimento (e efetivamente estava e teve de assumi-lo em seguida). Certamente era uma maneira de oferecer a direção do movimento à alguma autoridade militar de grande patente. Daí também a origem dos boatos de que haviam generais que o traíram na hora H.

CREPÚSCULO
Resumindo esta fantástica história, pode-se dizer que Haroldo Velloso personificou o pensamento político-militar de sua época, comprovado pela sucessão de fatos ocorridos entre  1956 e 1964. É certo que lhe faltou o apoio na hora H, mas escreveu, com a ajuda de alguns poucos correligionários as primeiras páginas da história que marcaria o Brasil durante toda a segunda metade do século XX.
Foi herói do desbravamento da Amazônia até 1956, foi herói e criminoso naquele ano, passou a ser o herói que se tentava esquecer nos anos que se seguiram, finalmente entrou para a história como herói a ser lembrado por tudo que fez durante toda a sua vida militar e na reserva.
Hoje em dia, uma de suas monumentais obras, a base de Cachimbo, cuja pista fundou em 20 de janeiro de 1954, leva seu nome (rebatizada em 1995): Campo de Provas Brigadeiro Velloso.
Um visitante neste baluarte da Força Aérea na Amazônia Meridional poderá ver, ainda hoje, em pose imponente, dirigindo seus subordinados, o major Haroldo Coimbra Velloso!
Homenagem a Vellos, Campo de Provas Brigadeiro Velloso - Cachimbo, PA

VEJA IMAGENS ORIGINAIS DA REVOLTA DE JACAREACANGA

14 comentários:

  1. Meu pai foi cabo da PA e participou da revolta de jacareacanga, contra os rebelados.Depois foi repórter policial em B.Conheceu e foi amigo de roberto Stucker e de Murilo Melo e filho hoje imortal da ABL, que por sua vez foi amigo de Adolfo Bloch e Jucelino.Meu avô, foi contador de adolfo Bloch.Tem muitos heróis anônimos por aí. Atenciosamente , Cláudio Rocha.

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  2. Na realidade o Brigadero Haroldo Veloso, fois preso na fzaenda de meu Avô, o Sr. MANUEL LAURO FIGUEIRA DE MENDONÇA, no PARANÁMIRIM.

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    1. Caro senhor, seu comentário é historicamente muito interessante, caso tenha mais alguma informação sobre a fazenda, seu avô ou sobre o episódio, queira entrar em contato pelo e-mail "hist.atualidades@gmail.com".

      Um abraço,

      Marco Túlio.

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  3. O relato sobre a revolta do Veloso, em Jacareacanga, apesar da riqueza de detalhes, deixa lacunas que poderiam ser preenchidas pelos momentos de pânico causados pelas rajadas de metralhadoras sobre o vilarejo de Jacareacanga. Fui testemunha ocular...Ainda criança, lembro-me da fuga das famílias ao se embrenharem na mata diante da ameaça de bombardeio que transformaria em cinzas as frágeis moradas de pau-pique dos humildes moradores. Detalhes conto em meu meu Livro: " /viagem ao Passado". Com o despreparo dos caboclos e índios da região, jamais haveria resistência ao poderio bélico das forças legalistas. A maioria não sabia manobrar armamentos militares e desconheciam táticas de guerrilhas.

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    1. Caro senhor(a), seu relato como testemunha ocular dos fatos tem relevância histórica, peço a gentileza de enviar e-mail para hist.atualidades@gmail.com contanto sua experiência para que possamos divulgá-la. Procurei seu livro pela internet e acabei encontrando dois títulos com o mesmo nome (Viagem ao Passado), um é de Alcindo Flores Cabral (1975) e outro de Umbelina Frota (2002); é um destes? Dê-nos mais detalhes e impressões daquela época. A população em geral sabia o que estava acontecendo na Capital do País? Apoiavam os revoltosos ou o Governo? Ou nem sabia o que estava acontecendo? Suas lembranças certamente serão muito importantes! Grande abraço!

      Marco Túlio

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  4. Caro Marco,meu livro "Viagem ao passado", é um livro autobiografico que ainda está em fase de elaboração. O que posso de adiantar são narrativas sobre a fundação de Jacaracanga, na década de 50, pela Fundação Brasil Central, onde meu pai trabalhou, e a revolta de Jacareacanga, cujo acontecimento causou pânico a comunidade de caboclos e indigenas da região. As pessoas que apoiavam Veloso o acompanharam mais por amizade a esse militar do que pela causa que o movia contra o governo de JK. Quando meu livro estiver pronto pronto prometo colocar em meu blog para vc ler.

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    1. Caro senhor,
      Também me interessa essa história toda que envolveu a figura ímpar do brigadeiro Veloso. Mais tarde, já como deputado, envolveu-se na tentativa de reempossar o prefeito de Santarém, Elias Pinto, que tentava voltar ao cargo.
      Gostaria de adquirir o livro.
      meu e-mail é: valentim@bloguedovalentim.com

      Obrigado.

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    2. Sou filha do Lameirao tenho 3 álbuns com recortes dos jornais da época das 2 revoluções santarém e jacareacanga

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    3. Muito legal, mesmo! Aguardamos com ansiedade o lançamento de seu livro! Essas memórias são muito importantes para nossa história!
      Grande abraço!

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  5. Veja no google player, livro: Revolta de Jacareacanga. Nele tem detalhes interessantes

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  6. O nome do frei é Vitorino. Meu avô viveu neste período e percebeu está errata

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  7. Gostaria de conhecer as causas da morte do Brig Velloso, com apenas 49 anos de idade. Alguém sabe?

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    1. Pelo que sei, Velloso foi alvejado em Santarém em 1968, quando era deputado federal pelo Pará. Na ocasião participava de uma manifestação política de recondução do prefeito cassado Elias Pinto à prefeitura daquela cidade. Os ferimentos lhe teriam deixado sequelas que o debilitaram bastante, vindo a falecer no ano seguinte, no Rio de Janeiro, por complicações cardíacas.

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