Ao observarmos o brasão de armas do Reino Unido um detalhe nos chama a atenção: as frases usadas estão escritas em francês e não em inglês como seria de esperar. Ora, Reino Unido traduz o poderio bélico e econômico do Reino da Inglaterra e não o da França. Porque então estas frases em francês?
Vejamos a origem das frases. Na fita que envolve o escudo da Inglaterra está escrito: HONI SOIT MAL PENSE, ou melhor: honni suit qui mal y pense. Esta é uma expressão francesa que significa “envergonhem-se quem nisso vê malícia”, há muito usada no meio culto. Esta expressão popularizou-se após o rei Eduardo III da Inglaterra, no século XIV, ter criado a Ordem da Jarreteira (garter – nome completo: The Most Noble Order of the Garter), a mais alta condecoração do Reino Unido, a qual sustenta este lema. A ordem comporta apenas 25 membros e o soberano da Inglaterra, enquanto reinando, é o grão-mestre da ordem. Ocorre que nesta época o idioma corrente na nobreza inglesa era o francês.
Vejamos então a frase: DIEU ET MON DROIT (Deus é o meu Direito).
Esta frase deriva de um antigo lema introduzido na Inglaterra pelo Rei Henrique V (1413-1422). Da mesma forma a frase está em francês porque este rei da Inglaterra falava francês, que ainda era o idioma da classe dominante da época. Na verdade, só recentemente o inglês substituiu o francês na região.
A CONQUISTA DA INGLATERRA
O primeiro soberano francês a assumir o trono inglês foi Guilherme, filho Guilherme II da Normandia. Com a morte de seu pai em 1035, Guilherme, mesmo sendo filho bastardo, foi reconhecido como sucessor no ducado da Normandia (norte da França). No entanto, o governo foi entregue a uma regência e Guilherme foi viver na Corte de França (tinha apenas sete anos na época). Aí foi feito cavalheiro com apenas 15 anos pelo rei Henrique I e, com sua ajuda, assegurou o ducado em 1047, na batalha de Val-ès-Dunes.
Neste ponto vale questionar como um soberano bastardo de um ducado francês imaginou seu direito a ser rei da Inglaterra.
Bem, governava a Inglaterra o rei Eduardo e Guilherme tinha em comum com ele apenas um tio-avô. Além de tudo, no século XI a coroa inglesa era eletiva e só o Witan ( conselho anglo-saxão do rei) podia dá-la. Contudo, Eduardo foi educado na Normandia e era mais normando do que inglês. Cercara-se de conselheiros normandos e escolhera um (normando) para arcebispo de Canterbury. Certa vez recebeu uma visita de seu primo Guilherme, o qual sustentou durante toda a sua vida que Eduardo lhe prometera o Reino da Inglaterra durante esta visita. Para complicar, Eduardo fizera voto de castidade e morreu em janeiro de 1066 sem deixar descendentes. Considerando que só o Witan podia dar a coroa, mesmo que a promessa fosse verdadeira, Eduardo não poderia prometer a Coroa Inglesa. O único pretendente forte à Coroa Inglesa era Haroldo, cunhado de Eduardo. Contudo, Haroldo havia sido vítima de um naufrágio e foi feito prisioneiro pelo conde de Ponthieu, sendo libertado por Guilherme e levado para Ruão. Nesta localidade Haroldo foi colocado em liberdade com a condição de sempre render homenagem a Guilherme e lhe fazer um juramento (que não se tem registro). De qualquer maneira isto também foi usado contra este pretendente quando da morte de Eduardo.
Mesmo com as alegações descritas parecia pouco provável que um duque normando conquistasse a Inglaterra. Contudo, Guilherme, o Bastardo, transformou suas intenções numa verdadeira cruzada ao prometer aos seus vassalos terras e dinheiro pela conquista da ilha. Seu irmão, bispo de Odo, mais soldado do que bispo, recrutou um grande exército. Guilherme mandou convite para vários barões aventureiros por toda a Europa. A mobilização foi lenta, mas era necessário tempo para construção dos setecentos e cinquenta navios que transportariam cerca de quinze mil soldados. Florestas foram derrubadas para a construção naval.
A 28 de setembro Guilherme desembarcou nas praias de Pevensey. Nesta altura as tropas de Haroldo encontravam-se ao norte, pois o rei da Noruega desembarcara aí com cerca de 300 galeras, reclamando também o trono Inglês. Após fragorosa derrota infringida aos noruegueses, Haroldo fez marcha forçada para o sul em direção às tropas de Guilherme. A única batalha desta guerra se deu na estrada de Londres, em Hastings. Aí se deu o combate de dois exércitos diferentes, as tropas de Haroldo, embora fossem transportadas por cavalos, era formada por infantes e combatia a pé apoiadas por arqueiros; as tropas de Guilherme eram de cavalaria e combatiam montadas. As primeiras incursões de Guilherme deixaram claro que suas tropas não podiam vencer os ingleses nas suas posições elevadas. Por isto usou uma tática inesperada: bateu em retirada! Ao verem as tropas de Guilherme fugirem a infantaria partiu em perseguição as mesmas. Já com as forças de Haroldo dispersas, Guilherme comandou meia-volta e ataque. A velocidade da cavalaria proporcionou o envolvimento das tropas de infantaria e processou-se uma chacina, na qual o próprio Haroldo morreu. Na sequência esperava-se que Guilherme fosse atacar Londres, contudo este optou por sitiar a cidade e deixá-la sucumbir a mínguas até obter sua rendição. Vencedor, não proclamou-se rei, esperou que lhe fosse oferecida a coroa. Finalmente “aceitou”, sendo coroado no dia de natal de 1066 em Westminster.
DEUS ESTÁ COM GUILHERME
Guilherme prometera reformar a Igreja na Inglaterra e o Papa lhe declarou apoio. Para a empresa nas Ilhas Britânicas, o Papa lhe entregou uma bandeira sagrada e um anel com a imagem do castelo de São Pedro.
Um fenômeno espacial foi registrado naquele ano na Inglaterra, a passagem do cometa de Halley muito próximo da terra, uma bola de fogo com um volume duas vezes maior do que a Lua pareceu a Haroldo e seu povo um mau presságio. O fenômeno causou pânico na Inglaterra Mediaval largada a todos os tipos de suposições quanto ao seu destino. Isto ocorreu enquanto Guilherme se preparava para invadir a ilha. Talvez, para sua tropa e financiadores, significasse a certeza da vitória. A vitória de Guilherme, o Conquistador.
Rei Haroldo observa a passagem do cometa de Halley em 1066, enquanto Guilherme (Wilhelm) manda construir navios para chegar a Inglaterra – presságio de mau agouro. Tapessaria de Bayeux (confeccionada entre 1070 e 1080).
OS REIS FRANCESES NA INGLATERRA
Para Guilherme e seus sucessores não foi difícil governar a Inglaterra. Depois do domínio Romano, os reis saxões optaram por não conquistar os celtas do norte (Gales e Escócia), deixando a ilha fragmentada nesta região. Da mesma forma o país era composto por comunidades saxões e dinamarquesas, separadas umas das outras por florestas e em torno de uma igreja de madeira e um castelo de um senhor feudal. Desta forma não tinham uma unidade nacional. Por outro lado já eram acostumados a uma monarquia, tinham uma Igreja, impostos territoriais e se processava o recrutamento para o exército. Os reis franceses serviram-se desses instrumentos fartamente. Por outro lado, foram estes reis que lhes deram as instituições que caracterizam sua originalidade (britânica): Parlamento, Juízes e juri, universidades, etc. Sem dúvida foram os reis normandos que nos três séculos seguintes deram corpo e forma a Inglaterra e ao Reino Unido que conhecemos.
Como já morei e estudei na Inglaterra, tinha conhecimento dessa forte influência francesa medieval naquela ilha. Porém, só após a prazerosa leitura deste texto é que conheci toda a situação reinante naquele período, inclusive os detalhes da Batalha de Hastings. Este texto tem o nível de detalhamento histórico perfeito, aliado a um estilo de leitura muito agradável.
ResponderExcluirVander de Oliveira - Pirassunnga - SP