domingo, 21 de fevereiro de 2010

O TELÉGRAFO SUBMARINO TRANSATLÂNTICO


         A comunicação a grande distância, em tempo real, por muito tempo foi um ideal da humanidade que só se concretizou de maneira irrefutável com o estabelecimento do Telégrafo Transatlântico, possibilitando a comunicação da América com a Europa, encurtando-se distâncias e ganhando-se tempo. No entanto um longo caminho foi percorrido até este momento.

UMA HISTÓRIA
            Com a descoberta da eletricidade a idéia de utilizá-la como meio de comunicação pareceu ser o meio óbvio para transmissão a grandes distâncias, contudo o primeiro equipamento imaginado para tal foi concebido por Jorge-Luiz Lesage, um genovês, em 1760. Seu invento foi construído apenas em 1774. A invenção constava de 24 arames separados um do outro e envolvidos por substância não-condutora. Cada haste terminava num pêndulo feito de um bola de madeira (de sabugueiro) suspensa por um fio de seda. Tocando um dos arames em qualquer das estações com um pau de lacre eletrizado por fricção, a bola de sabugueiro era repelida na outra estação, designando uma letra do alfabeto. Este equipamento demonstrava o conceito mas não poderia ser aplicado para telecomunicação, principalmente por utilizar-se de eletricidade estática, fraca e não perdurável. Diversos aparelhos foram desenvolvidos por todo o mundo utilizando-se este princípio, contudo sem resultados melhores.
            No final do século a descoberta da eletricidade dinâmica e o advento da pilha voltaica, ou elétrica, deram nova perspectiva ao invento. Agora havia uma fonte duradoura de energia elétrica e poderia ser transmitida a longas distâncias, contudo perdurou um problema: a indicação. A decomposição da água foi um fenômeno que acompanhou a descoberta da pilha voltaica e prendeu a atenção dos cientistas nos anos seguintes, portanto os telégrafos inventados em seguida baseavam-se neste fenômeno para a indicação. Vários frascos com água do outro lado do aparelho indicavam as letras que estavam sendo transmitidas, contudo este é um fenômeno lento que ainda inviabilizava um bom desempenho do aparelho.
            Em 1819, o físico dinamarquês Hans Oersted (1777-1851) descobriu que uma corrente voltaica circulando em volta de uma agulha magnética, desviava esta agulha da sua posição original. Novos experimentos de telegrafia surgiram a partir daí.
            Coroando esta caminhada, o norte-americano Samuel Morse, em 1832, construiu o primeiro telégrafo realmente eficaz, capaz de transmitir informações a grandes distâncias e serem traduzidas rapidamente.
Morse utilizou-se também de um código específico para transmitir as letras do alfabeto. Este código baseava-se em emissões de dois tipos, longas e curtas, para as longas lia-se linha (_), para as curtas lia-se ponto (.), da composição destas formavam-se as letras. Por exemplo, um ponto e uma linha (._) representava a letra A, uma linha e três pontos (_...)a letra B, um traço seguido de ponto e outro traço seguido de ponto(_._.), letra C, e assim por diante, constituíam-se palavras e frases. O sistema ficou mundialmente conhecido como Código Morse.
            Pelo grande desenvolvimento proporcionado por Morse, ele é tido como o inventor do telégrafo.
            A primeira linha telegráfica a ligar regularmente duas cidades foi inaugurada por Morse em 1844, ligando Washington a Baltimore. O uso do telégrafo expandiu-se por todo o Mundo até esbarrar numa grande barreira: o oceano.
            Transmitir um corrente elétrica por baixo da água era necessário um meio isolante realmente eficiente, o que se constituiu em um grande problema.
            O problema foi resolvido, em 1849, com a descoberta da Gutta-Percha, uma resina extraída da seiva de uma planta nativa do sul da Ásia (Palaquium Gutta). Sua característica de bio-inérte, resiliente e excelente isolante, garantiram a produção de fios envolvidos num invólucro de Gutta capaz de conduzir a corrente elétrica mesmo por baixo d’água. Com isto, em 1851, foi inaugurado o primeiro telégrafo submarino, ligando as cidades de Dover (Inglaterra) a Calais (França).

Palaquium Gutta
            Nos anos que se seguiram foram instalados cabos submarinos da Irlanda para Bélgica e Holanda, no Canal da Mancha; no Mediterrâneo, ligando a Europa e a África e no Mar Negro (1956). Havia chegado a hora do maior desafio: atravessar o Oceano Atlântico.
            Uma tentativa heróica foi realizada em 1858, conseguindo-se lançar um cabo de 880 léguas entre a Irlanda e a ilha de Terra-Nova na América. Este telégrafo transmitiu durante alguns dias até cessar completamente sua operação pela degradação do fio e interrupção da corrente elétrica. Havia necessidade de cabos mais resistentes e mais bem isolados, contudo isso acarretava num peso extra, sendo necessário um navio com grande capacidade de carga e estável o bastante para a delicada operação de lançamento do cabo. Nesta sensível operação, até o próprio peso do cabo lançado a grandes profundidades poderia arrebentá-lo com os mais leves trancos e oscilações marítimas ocorridas durante a manobra. Este navio ainda não estava disponível.

OUTRA HISTÓRIA
            O engenheiro inglês Isambard Brunel (1806-1859) famoso por suas construções em aço principalmente ferrovias, concebeu o projeto de dois grandes navios o Great Britain e o Great Western. Este segundo teria a capacidade de ir da Inglaterra até a Austrália e retornar sem necessidade de reabastecimento. Também seria o maior navio de passageiros já concebido, com uma capacidade de transportar 4000 passageiros de uma só vez.
            Brunel encontrou apoio na Eastern Steam Company para a construção do great Western. As proporções eram surpreendentes para a época; comprimento total de 207m, dois gigantescos motores acionariam rodas laterais de 16,8m de diâmetro e hélices de 7m para fazer a propulsão, deslocando 32 000 toneladas. Brunel aplicou a técnica de construção de pontes para reforçar o casco, uma armação suportada por travejamento e revestimento duplo.

            A grande embarcação foi construída no estaleiro de John Scot Russel, em Millwall, Londres, contudo o rio Tâmisa era muito estreito para o lançamento longitudinal do navio. Desta forma ele foi construído lateralmente com o rio, o que ocasionou grandes problemas para o lançamento, deixando-o em seco por muitas semanas.
            A primeira tentativa de lançá-lo na água foi em 3 de novembro de 1857, contudo foi suspensa depois de um acidente ter levado à morte de um homem que trabalhava nos cabrestames. A operação estava muito perigosa e precisava ser revisada.
            Uma segunda tentativa ocorreu a partir de 19 de novembro, contudo depois de um mês o navio apenas havia percorrido 10m.
            Finalmente em 31 de janeiro de 1858 o navio foi lançado à água, agora com o nome de Great Eastern. O lançamento do navio à água não resolveu seus problemas, permanecendo parado para manutenção e reparos por mais de um ano. Na sua viagem inaugural para Weymounth (em 1859), uma grande tubulação de vapor arrebentou e destruiu uma chaminé, além de matar seis fogueiros. Brunel que já se encontrava muito doente nesta época, ao receber a notícia ficou tão abalado que veio a falecer dias depois em 15 de setembro de 1859.
            Amargando grandes prejuízos com os atrasos e inconvenientes do navio, a Estearn Navigation Company pôs o fabuloso navio a venda. Este foi adquirido pela Great Ship Company. Esta companhia tentou utilizá-lo em travessias transatlânticas, contudo nunca conseguiu sua lotação de 4000 passageiros e em duas viagens sofreu graves danos; um vez por forte tempestade no oceano e outra por abalroar um recife ao aproximar-se do porto de Nova Iorque. Estes dois acidentes custaram 13000 libras em reparos e a companhia o colocou a venda por não poder suportar o sorvedouro de dinheiro que se transformara o Great Eastern. Três acionistas da companhia se associaram e compraram o grande navio, ainda sem saber exatamente o que fariam com o fracassado prodígio.

AS DUAS HISTÓRIAS
            Os compradores do Great Eastern resolveram alugar o navio para a Telegraph Construction Company. Esta empresa viu no poderoso navio a estabilidade e a capacidade de carga necessária para uma operação segura de colocação de cabos transatlânticos.
            Sua primeira grande missão ocorreu em julho de 1865 quando zarpou da Irlanda com o cabo que ligaria a Europa à América. Mas o infortúnio ainda acompanhava o grande navio, depois de lançar 1200 milhas de cabo submarino, este se quebrou e foi perdido nas profundezas abissais do atlântico. Diversas tentativas de resgatar o cabo foram infrutíferas e ele foi abandonado.
            No ano seguinte, 1866, o Great Eastern zarpou novamente da Irlanda com um segundo cabo transatlântico. Desta vez, no mês de julho terminou a sua missão ligando a Europa à América e coroando de êxito a ligação telegráfica transatlântica.
            Iniciava sua carreira de sucesso e no mês de setembro seus marinheiros localizaram e recuperaram o cabo perdido em 1865. Após realizada a emenda  e distribuído o restante do cabo até a América, foi possível duplicar a capacidade telegráfica transatlântica.
            Descoberta a vocação do Great Eastern, ele lançou cabo da França à América e também de Bombaim para Adem, bem como ao longo do Mar Vermelho.
            O cabo telegráfico transatlântico marcou a comunicação do Novo e Velho Mundo e merece registro que, devido à diferença nos fuso-horários dos dois continentes, as mensagens enviadas da França ou da Inglaterra chegavam à América cerca de seis horas antes do horário em que fora enviado.
Esta verdadeira epopéia marcou a integração da humanidade por todo o Globo e deu início a uma nova era, a Era das Telecomunicações que ainda hoje marca nosso tempo.

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