Poucas nações no mundo têm o privilégio de, ao raiar da primeira década do século XXI, poder comemorar 300 anos de um experimento científico. Há trezentos anos um brasileiro revolucionou o pensar científico e, porque não dizer, tecnológico! Esta é a saga do padre Bartolomeu de Gusmão, Pai da Navegação Aérea. Este padre nascido na cidade de Santos, São Paulo, surpreendeu a Corte Portuguesa e o Mundo, no princípio do século XVIII, com uma concepção de navegação aérea tão precisa que jamais fora modificada em sua essência. A idéia era transformar os antigos brinquedos chineses de ar quente em um veículo para singrar os ares, encurtando distâncias e dando uma nova perspectiva para se visualizar nosso planeta. Encantado com a idéia D. João V, o Magnânimo, assinou o Alvará de 19 de abril de 1709, dando a Bartolomeu de Gusmão e seus herdeiros os direitos de exploração desta nova forma de navegação. Querendo ser um dos primeiros a ver esta concepção, o Magnânimo rei concedeu-lhe uma audiência para que demonstrasse tal experimento. A primeira demonstração do experimento, realizada na Sala de Audiência do Palácio, a 5 de agosto, não obteve sucesso pois o pequeno balão incendiou-se totalmente. Dois dias depois, numa nova tentativa obteve um sucesso parcial, pois embora o instrumento tenha ascendido cerca de 20 palmos, as chamas começaram queimá-lo, sendo rapidamente destruído por alguns criados para se evitar um incêndio. No dia 8 de agosto de 1709 no pátio da Casa das Índias, foi realizada a terceira experiência, a qual obteve sucesso total, com o pequeno balão ascendendo e levando consigo uma pequena carga “útil”. Estava demonstrado que, construído em tamanho adequado, o experimento faria o homem alçar vôo e desatar-se definitivamente das amarras terrenas.
Cumpre lembrar que a Natureza sempre foi o grande criador e que o homem, ao inventar, sempre procurou imitá-la. Mas não Bartolomeu de Gusmão! Voar em um balão com nada se parece na natureza, por isso seu invento foi único e genuíno. É certo afirmar que este padre brasileiro foi o primeiro cientista do Novo Mundo, pois não há qualquer contribuição científica relevante de um homem americano antes dele.
A irrefutabilidade da primazia de Gusmão está na publicidade de seu experimento dada à época, com a notícia se espalhando como um rastilho de pólvora. Antes mesmo do “Padre Voador” apresentar seu experimento ao rei de Portugal a revista suíça Wienerische Diarium no seu número relativo aos dias 1º a 4 de julho de 1709 divulgou o primeiro artigo sobre o projeto brasileiro. Também a revista Evening Post, de Londres, fez semelhante menção no número correspondente aos dias 20 a 22 de dezembro de 1709 e, ainda, a Dritten Fonction Neundte Depêche, de Friburgo, trás quatro páginas tratando do assunto, inclusive com a cópia do Alvará Real (19 de abril de 1709) que concede os direitos de exploração da Navegação Aérea ao padre brasileiro. Este Alvará inicia com a reprodução da petição de Bartolomeu de Gusmão ao Rei de Portugal e é o primeiro documento e marco inicial da navegação aérea no mundo.
Algumas estórias interessantes também mostram a grande divulgação e documentação do experimento brasileiro, como a carta escrita a 2 de julho de 1709 por Elizabeth Cristina, futura Imperatriz da Alemanha, para sua mãe, na qual, inteirada das notícias, manifesta o desejo de utilizar este novo meio de navegação para visitar seus familiares.
Infelizmente, apesar do apelido de “Padre Voador”, Bartolomeu de Gusmão não chegou a construir seu invento em escala que pudesse levar uma pessoa (feito realizado por Pilatre de Roziers apenas em 1783). Gusmão, perseguido pelo Santo Ofício, exilou-se na Espanha e morreu em Toledo em 1724 na mais completa miséria.
Feito tão extraordinário e data tão significativa para celebrar (300 anos!) está passando quase que despercebida pela maioria dos brasileiros. Para efeito de comparação, uma data comemorativa de mesmo calibre será os 300 anos do mais pesado que o ar, o 14-Bis, mas ainda faltam cerca de 200 anos. . . .
A Força Aérea Brasileira comemorou, embora de forma muito discreta, os trezentos anos do experimento, emitindo um logo para ser utilizado em seus documentos e, como parte das comemorações, lançou dia 26 de agosto, no Instituto Histórico da Aeronáutica (INCAER) Rio de Janeiro, a Medalha Comemorativa aos 300 Anos da Experiência Aerostática. Esta medalha foi o resultado de uma parceria entre o Comando da Aeronáutica (MUSAL – Museu Aeroespacial) e a Casa da Moeda do Brasil (Clube da Medalha).
Lembro, também, que existe uma medalha da Força Aérea com o nome Bartolomeu de Gusmão criada em julho de 1971. Esta comenda visa premiar preferencialmente, aos Suboficiais, Sargentos, Cabos e Taifeiros da ativa e Funcionários Civis da Aeronáutica, até o nível correspondente a Suboficial, desde que estejam em atividade, por seu destacado empenho e zelo profissional no exercício de suas atividades ou que tenham prestado significativos serviços à Força Aérea Brasileira. Desta forma homenageia-se anualmente a Bartolomeu de Gusmão, cultuando-o como paradigma de dedicação, zelo e amor a aeronáutica.
É uma pena que a maior parte de nosso país ignore o grande feito deste insigne brasileiro e esteja deixando passar em branco esta data tão importante.
Está ai mais uma prova do espírito empreendedor e dinâmico do brasileiro. Parabéns a nós e muito oportuno esse artigo do Amigo baptista.
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