"Insulting
and outrageous", the letters of Arthur Bernardes
Marco Túlio
Freire Baptista*
(Artigo publicado na Revista do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil n. 103, baixe o PDF)
Resumo:
Esta pesquisa teve por objetivo analisar as circunstâncias em que ocorreu a
disputa eleitoral para a Presidência da República do Brasil para o mandato de
1922 a 1926, tendo como foco central o grande escândalo, profusamente noticiado
nos jornais, das cartas ofensivas a honra militar atribuídas ao, então
candidato, Arthur Bernardes. O episódio causou um grande racha na sociedade
brasileira, observável em todos os seus estratos sociais e pela intensa batalha
jornalística que acompanhou ativamente a campanha. Neste contexto, a classe
armada se envolveu nas disputas e acabou por vitimar viceralmente as Forças
Armadas Brasileiras.
PRELÚDIO
Em
fins de julho de 1921 a providência deu seus primeiros sinais do tenebroso
período em que estaria mergulhada a política nacional na capital brasileira, o
Rio de Janeiro. No dia 24 falecera, abrupta e prematuramente, aquele que foi o
maior fenômino da crônica carioca, o jornalista Paulo Barreto, ou João do Rio
como era conhecido. Seu corpo embalsamado foi velado e chorado por milhares de
pessoas no hall de entrada do prédio do jornal “A Pátria”.[1]
Diante de seu corpo inerte, vestido com a túnica de gala da Academia Brasileira
de Letras, perfilaram desde as maiores autoridades e persolidades da sociedade
carioca e brasileira até o cidadão comum, acostumado a instruir-se na
sagacidade inteligente de suas crônicas publicadas nos jornais em grandes
tiragens. Vertiam-se lágrimas pelo que, inconscintemente se sabia, iriam
perder: uma crítica precisa e autêntica do maior escândalo da política
nacional, envolvendo viceralmente as Forças Armadas.
O autor de obras imortais, como “A alma encantadora das ruas” e “As
religiões do Rio”, perderia, assim traído pelo destino, a oportunidade de
despejar sobre os fatos, já delineados nos subterrâneos das intrigas e do
malcaratismo, toda a sua acidez e objetividade de cronista inigualável do
caráter humano. João do Rio, sempre capaz de lançar uma palavra nova sobre o
que já se sabia, transformando o corriqueiro num grande alerta para a
sociedade, certamente teria dado diferentes rumos à sórdida batalha que se
desenvolveria nos meses seguintes nos jornais de todo o país. Na edição do Jornal do Brasil de 25 de julho, a
notícia da morte de João do Rio ironicamente disputava espaço na mesma página
com o lançamento da chapa Nilo-Seabra, da Reação Republicana, que faria
oposição ao candidato oficial, Arthur Bernardes, na campanha presidencial que iniciava.[2]
A
disputa eleitoral desde o início foi marcada por graves trocas de ofensas entre
nilistas e bernardistas, mas se intensificou quando vieram a tona as cartas de
Arthur Bernardes ofensivas à classe armada, incendiando definitivamente a
campanha e acirrando os ânimos das duas partes.
ENTÃO, AS
CARTAS...
Em
oito de outubro[3]
por volta das duas horas da tarde, Mário Rodrigues, redator político do Correio da Manhã, recebeu um telefonema
do senhor Irineu Machado que procurava Edmundo Bittencourt, fundador e proprietário
do jornal. Como este se encontrava na estação de águas de Lindoya, em São
Paulo, dispôs-se a lhe apresentar o seu intento. Informou que estava na
presença de uma pessoa que possuia um importante documento de grande interesse
político. Adiantou que esta pessoa estava de partida no dia seguinte para a
Europa e pretendia entregar os documentos ao senhor Edmundo Bittencourt, mas
que na sua ausência entregaria a um redator do Correio da Manhã. Por isso, solicitou-o que fosse buscar em sua
casa. Mário Rodrigues tomou um taxi e rapidamente chegou na residência de
Irineu, onde foi apresentado a Oldemar Lacerda, o portador de duas cartas de
Arthur Bernardes, presidente de Minas Gerais e candidato à Presidência do
Brasil no pleito que se avizinhava, ambas dirigidas ao Sr. Raul Soares, as
quais continham diversas ofensas ao Exército Brasileiro e ao Marechel Hermes da
Fonseca. Diante de algumas indagações sobre “pontos obscuros” e sobre a
autenticidade, Irineu Machado forneceu-lhe outra carta de Arthur Bernardes
endereçada ao deputado Ribeiro Junqueira, como elemento de comparação quanto a
legitimidade das anteriores. A condição para a publicação era somente aguardar
que Oldemar chegasse à Europa.[4]
Mário Rodrigues entregou-as a um diretor do Correio da Manhã, Raimundo Silva.
Ansioso pela publicação, mas necessitando tomar alguma precaução, Raimundo
Silva, acompanhado de Amálio Silva, se dirigiu ao tabelião Fonseca Hermes,
irmão do Marechal, a fim de reconhecer oficialmente a assinatura de Arthur
Bernardes. Atendidos pelo tabelião substituto, este se recusou a reconhecer a
firma de Arthur Bernardes, visto que em sua ficha constava a assinatura com o
nome completo, Arthur da Silva Bernardes, e não como se apresentava na carta: Arthur
Bernardes.[5]
No dia seguinte, domingo, 9 de outubro, uma das cartas
foi publicada no Correio da Manhã sob
o título “Injurioso e Ultrajante”, acompanhada de um artigo intitulado “Ultraje
ao Exército”, no qual o redator desfiava o rosário de adjetivos pejorativos
que, segundo ele, Arthur Bernardes atribuíra aos oficiais do Exército na sua
carta dirigida ao Senador e Ministro da Marinha, Raul Soares. A carta era
datada de três de junho daquele ano e tratava do banquete que os oficiais da
Guarnição do Rio de Janeiro ofereceram no dia anterior ao Marechal Hermes da
Fonseca. Referia-se ao Marechal, ex-Presidente da República, como “um sargentão
sem compostura” e seguia nos desaforos taxando o banquete de “ridículo e
acintoso” e como uma verdadeira “orgia”. Demonstrando um rancor com o Exército
ao ponto de recomendar ao Ministro da Marinha que usasse de “toda energia”, de
acordo com suas “últimas instruções”, pois “esta canalha” (referindo-se aos
oficiais) precisava ter “uma reprimenda para entrar na disciplina”. Além disso,
também exortava a Raul Soares que interferisse no Palácio do Catete para ver,
conforme constava na carta, “se o Epitácio mostra agora a sua apreogoada
energia, punindo severamente esses ousados, prendendo os que sairam da disciplina
e removendo para longe esses generais anarchizadores”. Por último, depois de
atacar os oficiais, teria direcionado sua fúria para o próprio Presidente,
Epitácio Pessoa, recomendando a Raul Soares nos seguintes termos: “se o
Epitácio com medo não attender, use de diplomacia que depois do meu
reconhecimento ajustaremos contas”. O artigo aponta, também, onde Bernardes supostamente
teria tido o máximo de audácia e injúria à oficialidade, quando refere que “a
situação não admitte contemporizações e os que forem venaes, que é quasi a
totalidade, compre-os com todos os seus bordados e galões”.[6]
É verdade que a acidez e falta de compostura
apresentadas na carta chamaram a atenção por não ser compatível com a conduta
habitual do presidente de Minas Gerais que, de imediato, contestou a
autenticidade da carta.[7] No
entanto, os termos e acusações presentes nas cartas sugeriam também uma certa
verossimilhança com os sentimentos que muitos estavam cultivando pelo Exército
e a Marinha. Como uma espécie de desabafo, que teria amparo em muitas outras
gargantas de políticos, militares e civis.
Fato
é que a República nascera da usurpação de poder do Império pelos militares;
Deodoro nem chegara ao final de seu mandato e tivera o poder usurpado por
Floriano Peixoto, mesmo contrariando fortemente a primeira Constituição. Daí
por diante, a conduta militar caracterizou-se, em boa parte, pelo poder político,
tendo seu auge com a presidência do Marechal Hermes da Fonseca (1910-1914),
quando o estrato superior das Forças Armadas se transformaram em verdadeira
classe política. A classe militar ansiosa por direitos de cidadania, não só não
renunciava a sua condição de integrante do Estado, como se utilizava da força
que esta condição lhe dava para lutar por mais poder, de dentro para fora.
Dessa forma não eram parte de um movimento da sociedade, e sim do Estado. José
Murilo de Carvalho fala em “estadania”, ou seja, a consolidação da cidadania vindo
do próprio Estado e não da sociedade.[8] É
nesse clima que os excessos e a ambição de poder deixaram profundas marcas na
sociedade com relação a classe militar inserida na política. Chegou-se na
segunda década do século XX com um forte rancor dos políticos civis contra a
classe militar, bem como desta contra os primeiros.
O RANCOR MILITAR
Os Imperadores do Brasil mantiveram
Ministros civis nas pastas da Guerra e da Armada na maior parte dos gabinetes
do Império, contudo isto mudou após a República e, para contentamento dos
militares, estas funções máximas das Forças passaram a ser ocupadas por Oficial
Generais. No entanto, passados quase 30 anos, com a assunção da Presidência por
Epitácio Pessoa, este quadro mudou novamente, nomeando os civis Pandiá
Calógeras e Raul Soares para as pastas da Guerra e da Marinha; o segundo, posteriormente
foi substituídos, sucessivamente, por Ferreira Chaves e Veiga Miranda.[9]
Em
meados de 1921, o Governo de Epitácio e a classe armada encontravam-se em plena
oposição. Falava-se abertamente em perseguição aos militares pelo Governo e
movimentações (transferências) arbitrárias.[10]
Um incidente caracterizou bem os rancores da classe armada, foi a prisão do
capitão-tenente Luiz Autran de Alencastro Graça devido ao seu discurso num
jantar realizado no Palace Hotel, que fora oferecido pela guarnição da capital
ao Marechal Hermes da Fonseca. Neste discurso o comandante Graça teria exposto
a situação precária da Armada perante a cúpula da oficialidade. Tendo sido
publicado nos jornais por jornalistas que estavam presentes ao evento, a reação
dos Ministros da Guerra e da Marinha foi a prisão do referido oficial, por oito
dias, no presídio da Ilha das Cobras.[11] Os
Ministros da Guerra e da Marinha eram, respectivamente, Pandiá Calógeras e Raul
Soares. Este último, justamente o destinatário da carta ofensiva ao Exército
publicada pelo Correio da Manhã e que
tinha data de 3 de junho, dia seguinte ao evento ...
Se
as ofensas contidas nas cartas podiam parecer demonstrar esse rancor, o primeiro
desfiar do novelo de maquinações subterrâneas logo levou ao círculo íntimo do
Marechal Hermes da Fonseca, o possível beneficiado com a destruição da
candidatura de Arthur Bernardes. E, lembrando-se que as cartas foram entregues
por Oldemar Lacerda, cumpre questionar o quanto este cidadão era confiável
diante de uma denúncia tão grave.
OLDEMAR LACERDA
Logo que o escândalo ganhou as manchetes
dos jornais e despertou os debates políticos por todo o Brasil, um nome veio a
tona, Oldemar Lacerda, e o quebra-cabeças das maquinações, que ocorreram meses
antes, começavam a se desvendar.
Mas quem era este homem que conduzira as cartas de
Arthur Bernardes à publicidade nacional? O nome Oldemar Maria de Lacerda figura
no Almanak Laemmert de 1910 como capitão assistente do estado-maior da 3°
Brigada de Infantaria da Guarda Nacional da Capital Federal.[12] Da
mesma forma (capitão) aparece em Diário Oficial de 1912, como presidente de
Junta de Alistamento da 9° Região Militar do Distrito Federal.[13] Segundo
Magalhães, Oldemar, através dos filhos de Hermes da Fonseca, passara a
frequentar o Palácio do Catete, durante a presidência do Marechal (1910-1914).[14]
Assim, vivia de traficar influência para fornecimento de mercadorias para o Governo,
beneficiando comerciantes e industriais. A proximidade com o círculo íntimo da
família do Marechal pode ser percebida em evendo mais reservados naquele
período, como o batizado do filho do tenente Leôndas da Fonseca, neto de Hermes
da Fonseca.[15]
Também uma fotografia publicada na Revista
da Semana e também na revista Fon-fon,
que ilustra a posse do Marechal Hermes da Fonseca na presidência do Clube
Militar, na qual Oldemar aparece próximo de Nair de Tefé, esposa do Marechal.[16]
Outra imagem que se costuma apontar como proximidade com a família de Hermes da
Fonseca é a caricatura de Oldemar feita por Nair de Tefé e publicada duas vezes
na Gazeta de Notícias.[17]
No entanto, esta pode (e deve) ser atribuída mais à percepção sarcástica da
cartunista que o identifica como “Homem do Dia”, por ascender rapidamente às
manchetes dos jornais e ser alvo dos comentários políticos, após o escândalo
das cartas.
Em
1916, Oldemar Lacerda foi lembrado pelo senador João Luís Alves que estava em
disputa pela sucessão do governo do Espírito Santo. Dentre seus planos estava a
ideia de forçar uma intervenção federal. Planejando conflagar o estado, confiou
a Oldemar a tarefa de comprar armamento. O Gatuno não conversou, meteu a mão
numa considerável quantia e enviou para Luís Alves caixotes repletos apenas de
serragem.[18]
Infiltrar-se
na alta sociedade parece ter sido sua estratégia para adquirir influência, ou
pelo menos, parecer tê-la. Desta maneira seu nome também estava associado às
corridas de cavalo, como “turfman”,[19] o
que provavelmente não o era. E nas grandes festas de agremiações sociais, como
foi o caso de sua participação, no setor de buffet,
da comissão de organização da festa do Clube São Cristóvão, noticiada pela Gazeta de Notícias em junho de 1914.[20]
Apesar
de parecer ter certo prestígio, seu nome figurava mesmo era nas páginas
policiais. Sendo os casos mais notórios o contrabando de Gonçalves Campos &
Cia e o desvio financeiro na firma Pinto Lima. O primeiro caso, ocorrido em
1915, Oldemar exercia a função de fiel da Alfândega e foi acusado de tentar
subornar os continos do Tesouro e roubar os autos do processo judicial do caso
de contrabando da empresa Gonçalves Campos.[21] O
segundo caso, tratava-se do inquérito da 1ᵃ Delegacia Auxiliar, no qual Oldemar
era acusado de, enquanto caixa da firma Pinto Lima & C, ter desviado a
quantia de 111.660$789 e de ter falsificado documentos bancários em nome da
firma, como a carta de crédito em favor do construtor Luiz Zanni que retirou
material da casa Soares & C.[22]
Figura 1: Caricatura de Oldemar Lacerda feita por Nair
de Tefé (Rian) sob o título “O homem do dia”.
Fonte: Gazeta de
Notícias, n. 323, 10 dez. 1921, p. 1.
Embora
a façanha tenha lhe rendido alguns meses de cadeia, de finais de 1919 para
início de 1920, os grandes empresários parecem não terem se preocupado com
isso. A Capital Federal se preparava para comemorar seu primeiro centenário de
Independência e entre os preparativos estava o arrasamento do morro do Castelo,
tarefa de interesse para empresas nacionais e estrangeiras. A empresa Pearson Incorporation logo se ligou a
Oldemar para garantir sua preferência na concessão. Sempre pronto a criar
ilusões, Oldemar apresentou à empresa uma fotocópia de uma carta do Presidente
Epitácio Pessoa para o prefeito do Rio, escrita em papel timbrado do Palácio do
Catete, na qual recomendava a preferência da empresa Pearson. Como levantou-se dúvida quanto a assinatura do Presidente,
ele apresentou um decreto assinado por Epitácio como comprovação da
autenticidade da assinatura. A transação, ou porque a sua comissão era muito
alta, ou porque desconfiou-se da honestidade de Oldemar, acabou sendo
dispensada pela empresa.[23]
Em julho de 1921 o senhor Emílio van Linden, gerente
da Companhia Transmarina (fornecedora de material ferroviário), recorreu a Oldemar para conseguir preferência
de sua empresa no fornecimento de material e trilho para a Estrada de Ferro
Central do Brasil. Rapidamente providenciou-se uma proposta, que ele levou
consigo para trazer, logo em seguida, devidamente protocolada e com um despacho
favorável do diretor da Central. De tempos em tempos, Oldemar solicitava uma
quantia a troco de “gorjetas e gratificações” para os funcionários e o tempo ia
passando. Convocado a dar provas da veracidade do negócio, apresentou uma
certidão de despacho de aceitação da propostas que dava o prazo até outubro
para efetivação. Nem precisa pensar muito para se concluir que era tudo falso!
Daí, Oldemar resolveu sumir um pouco e anunciou sua partida para Europa para
tratar de assunto urgente sobre o arrendamento da ilha de Trindade.[24]
Esta
última mutreta de Oldemar deixou-o premido pelo tempo, necessitando “desovar”
as cartas falsas rapidamente, com a chegada de outubro. Dessa maneira a trama
subterrânea se fez atabalhoada e com o conhecimento de diversas pessoas, civis
e militares.
O SUBTERRÂNEO
A trama teve início alguns meses
antes de ser deflagrada a batalha nos jornais. Segundo declarou Edmundo
Bittencourt na sua folha, ele já tinha conhecimento das cartas desde junho
daquele ano.[25]
A questão teria começado devido Oldemar, habitual traficante de influência, ter
ponderado que a falência da candidatura do Marechal Hermes da Fonseca lhe
reduzira às possibilidades de negócios. Assim, maquinou atentar contra a
candidatura de Arthur Bernardes e reanimar as possibilidades do Marechal, a quem
granjeava proximidade nos círculos de amizade. Por esse motivo solicitou a
Jacinto Cardoso de Oliveira Guimarães, conhecido falsificador, que produzisse uma carta que incompatibilizasse
Arthur Bernardes com Hermes da Fonseca, diante da classe militar.[26] Por
outro lado, a venda da carta poderia lhe garantir um bom dinheiro para
empreender seu necessário desaparecimento do Brasil por algum tempo.
O
irmão do Marechal, o tabelião Fonseca Hermes, contou em depoimento que fora
procurado por Oldemar Lacerda em sua residência, acompanhado dos senhores Dr.
Pedro Burlamaqui e Anacreonte Borba Gomes. Oldemar teria lhe exibido um retalho
de papel com a assinatura de Arthur Bernardes e questionado se ele reconhecia a
assinatura do presidente de Minas Gerais e, ainda, se possuía alguma
correspondência do mesmo que pudesse usar de comparação. A este questionamento,
Fonseca Hermes teria informado que a única carta que possuía era uma destinada
ao Dr. João Luís Alves “a propósito do processo de reconhecimento dos poderes
para a constituição da Câmara” naquela legislatura. E, como não sendo sua, não
poderia fornecer. Esclarecendo seu interesse, Oldemar teria informado que
possuía uma carta de Arthur Bernardes que poderiam impossibilitar a sua candidatura,
além de oferecer a mesma, caso Fonseca Hermes visse possibilidade de salvar a
candidatura do Marechal. Ainda questionado sobre a autenticidade da carta,
Oldemar esclareceu que o perito Serpa Pinto já as examinara e dera como
verdadeiras.[27]
Interessante
notar-se que, brevemente, Serpa Pinto seria o perito “idôneo” escolhido pelo
Clube Militar para avaliar a autenticidade das cartas, mesmo pesando
publicamente sobre ele diversas acusações que atentavam contra o seu caráter;
inclusive um processo de estupro de uma menor que corria no Cartório do 5°
Ofício de Niterói.[28]
Como
Fonseca Hermes, para tomar uma decisão, tivesse condicionado examinar ele mesmo
a carta, a qual não haviam sido levada, a questão ficou em suspenso até que ele,
por intermédio do irmão de Oldemar, João Maria de Lacerda, solicitasse
novamente que mostrasse a carta. Numa segunda entrevista, Oldemar ainda não lhe
mostrou, mas antecipou seu total conteúdo.[29]
Não
vendo muito futuro com o tabelião, irmão do Marechal, Oldemar procurou Irineu
Machado, político experiente, engajado na campanha de Nilo Peçanha, contudo sem
o menor entusiasmo, pois o Marechal mais lhe convinha. Ao ver o conteúdo e a
redação da carta, Irineu Machado se agradou muito do serviço e sugeriu uma nova
carta, esta, datada de 3 de junho, teria um teor mais ácido, justamente a primeira
que foi divulgada pelo jornal Correio da
Manhã. Para a redação desta segunda carta, Oldemar adquiriu a
correspondência de Arthur Bernanardes enviada ao Dr. João Luis Alves que estava
em poder de Fonseca Hermes para servir de modelo. Como Fonseca Hermes não o
entregara voluntariamente, Oldemar acertou-se com o filho do tabelião, Eduardo,
que subtraiu a referida carta da escrivaninha de seu pai, em um momento de
ausência.[30]
Até
este ponto, o irmão do Marechal tinha conhecimento da trama e o sobrinho estava
completamente envolvido, já que fornecera material para a falsificação.
Outro
militar de elevada patente também fora procurado por Oldemar, trata-se do
coronel Philadelpho Rocha. Segundo seu próprio depoimento ao “Rio – Jornal”,
tinha conhecimento, desde junho, de um “trabalho” de Oldemar para dar ganho de
causa a candidatura do Marechal Hermes. Em um novo encontro em setembro,
Oldemar teria dito ao coronel que o Marechal era um “trouxa”, por ainda ter
escrúpulo em política. Nessa ocasião, Oldemar o teria explicado que o “trabalho”
tratava-se de uma carta ofensiva ao Exército e ao Marechal, com “autoria” de
Arthur Bernardes e que daria “um tiro” na candidatura deste. Mas, que no
entanto, não aceitara. Ciente da farsa, o coronel Philadelpho se calou até
novembro, quando o escândalo já era grande e depois de o Clube Militar votar
favorável pelo exame da carta. Em sua entrevista, também citou outros conhecedores
da farsa, tais como o comandante Alencastro Graça (da Armada), o senador
Frontin, o Dr. Raphael Pinheiro, o Dr. Lacerda de Albuquerque, o Sr. Adolpho
Moreira, o capitão Cunha Mattos (da Escola de Aperfeiçoamento), deixando claro
que muitos outros também tinha conhecimento.[31]
Como
se pode observar, as histórias sobre as cartas falsas já vinham desde junho,
portanto quando estourou o escândalo com a publicação pelo Correio da Manhã, muitos poderiam ter denunciado, mas ou não o
fizeram ou fizeram deliberadamente tarde demais. Acresce que o envolvimento de
Oldemar, por si só, já desacreditaria a veracidade das cartas, já que era por
demais conhecido por suas falcatruas. No entanto, foi na legitimidade de um
documento fornecido por este farsante que o Clube Militar, representante legal
das Forças Armadas, resolveu apostar todas as suas fichas...
A COMISSÃO DO
CLUBE MILITAR
O Clube Militar, presidido pelo
próprio Hermes da Fonseca, embora tivesse tentado se fazer passar
despretenciosamente pelo assunto, na verdade, foi um ferrenho articulador de
boa parte da trama contra Arthur Bernardes. Na noite do dia 12 de novembro de
1921, ao término da sessão da Assembleia Geral Extraordinária do Clube Militar,
a qual teve por destinação estudar um substitutivo para a Lei de Promoção,
tendo surgido a discussão sobre se deviam ou não se pronunciar sobre o
escândalo que tomava os jornais, duas moções foram propostas. A primeira do
capitão Pedro Gomes que pedia para que deixassem a questão das cartas, pois se
tratava de um assunto exclusivamente político e não militar, e outra, do
tenente-coronel Fructuoso Mendes, que pedia que se formasse uma comissão para
suprir de provas técnicas sobre o assunto. Postas em votação, aprovou-se, por
esmagadora maioria, a formação da referida Comissão, cuja presidência foi dada
ao Almirante Silvado.[32] A
primeira sessão dessa comissão ocorreu já no dia 16 de novembro, no entanto, se
perdeu em elocubrações sobre a amplitude de ação do Clube Militar, com diversos
pareceres, até que na quarta sessão os oficiais resolveram acrescentar “emoção”
aos seus trabalhos, iniciando uma sequência de desconfianças e possívieis
ameaças. O Almirante Silvado informou que fora chamado ao telefone e ameaçado
de morte caso declarasse que a carta era verdadeira. O Comandante Mello Pina
logo se adiantou a contar que pessoa de sua família chamaram a atenção para um
indivíduo preto que aparecia diante de sua casa toda vez que ele chegava. Para
não ficar para trás, o General Gomes de Castro informou que, havia dias, dois
homens pretos não abandonvam a porta de sua casa.[33]
Arthur
Bernardes nomeou, como seu representante junto ao Clube Militar, o General
Barbosa Lima e como perito grafotécnico o Sr. Edgard Simões Corrêa.[34]
Pouca
coisa caminhara até a oitava sessão, quando foi informado que o representante
de Edmundo Bittencourt, responsável pela publicação das cartas no Correio da Manhã, seria o General Ximeno
Vileroy.[35]
O marasmo e entraves sofreram um “susto” com a notícia de que Oldemar estava de
volta da Europa. O Diário da Bahia anunciou no dia 29 de novembro que Oldemar
Lacerda, pivô dos acontecimentos, havia desembarcado do navio Avon em Salvador no dia anterior.[36]
Oldemar desembarcara em Salvador para evitar uma possível prisão no Rio de
Janeiro, já que ainda tinha pendências judiciais relativas a seu último golpe.
A possibilidade de prisão de Oldemar punha em risco o andamento das
articulações para desmoralizar Arthur Bernardes, pois, caso fosse para a cadeia,
havia uma real chance dele abrir o bico e confessar a fraude, desmoralizando
mais ainda a classe armada. Se, antes, o adiamento de qualquer conclusão pela
Comissão seria benéfico aos militares anti-bernardistas, pois manteria a dúvida
sobre a dignidade de Arthur Bernardes até a eleição, então, passou a ser
urgente uma conclusão desfavorável ao presidente de Minas Gerais.
A
sessão seguinte, realizada em dois de dezembro, declarou finalmente pronto o
gabinete na sede do Clube Militar para que fossem realizadas as análises.[37] A
partir daí, iniciaram-se as investigações, as quais deviam obedecer o seguinte
critério de imparcialidade: o perito Serpa Pinto deveria fazer seus
procedimentos por parte do Clube Militar, os quais seriam conferidos pelo
perito Simões Corrêa, por parte de Arthur Bernardes; da mesma forma, o perito
Simões Corrêa deveria fazer seus procedimentos, os quais seriam verificados por
Serpa Pinto. Desta maneira dever-se-ia obter resultados isentos de parcialidade
e em comum acordo entre as partes.[38]
A
primeira constatação feita por todos que viram as cartas, mesmo pelos jornais,
era o fato de o nome Arthur aparecer com o “T” sem corte, coisa que não se
verificava na assinatura do presidente de Minas Gerais. Na ânsia de fazer
provas, Edmundo Bittencourt publicou em seu jornal um artigo no qual afirmava
que possuía outro documento autêntico no qual Arthur Bernardes também havia
assinado seu nome sem cortar o “T”.[39]
De posse dessa informação o perito Simões Corrêa facilmente deduziu que este
documento deveria ter servido de base para o decalque (cópia) e já arriscava
que encontraria as mesmas coincidências apontadas nas cartas falsas. Por este
motivo solicitou que o Correio da Manhã
apresentasse o referido documento para análise, pois que dessa maneira
determinaria a orígem da falsificação. Como era de se esperar, o General
Vileroy, em resposta à Comissão, informou que o Sr. Edmundo Bittencourt não
apresentaria o documento, pois comprometia a terceiros.[40]
Os
procedimento de verificação adotados por Simões Corrêa, que também deveriam ser
acompanhados pelo perito da Comissão, Serpa Pinto, para serem refutados ou
confirmados, acabaram por causar um grande desconforto aos que intencionavam
provar que as cartas eram verdadeiras. Por este motivo a Comissão decidiu,
arbitrariamente e por unanimidade, suspender as verificações do perito Simões
Corrêa, limitando-o apenas a acompanhar os trabalhos de Serpa Pinto. Também no
dia 17 decidiu-se determinar que fossem finalizados os trabalhos até o dia 20,
mesmo sob protestos de Simões Corrêa que apontava a irresponsável prematuridade
para a finalização dos trabalhos.[41]
Diante
de tantas afrontas à razão e a honra militar, o General Gomes de Castro
apresentou ao Almirante Silvado sua carta de saída da Comissão, alegando para
tal a “inesperada intimação” feita para o término dos trabalhos, bem como o
“deplorável assentimento dos membros da Comissão”. Desta forma, recusava-se a
participar de tão fraudulento movimento militar. Na mesma sessão onde foi lida
a carta de Gomes de Castro, o perito Simões Corrêa declarou que “o perito da
Comissão, só poderia chegar à conclusão de identidade graphica e authenticidade
entrando-se em absoluta privação dos
sentidos” (louco!).[42]
Por fim, a Comissão, a despeito de todas as evidências apontadas concluiu pela
veracidade das cartas, atribuindo-as a Arthur Bernardes em seu relatório final
datado do dia 27 de dezembro de 1921, assinado pelo perito Atônio Augusto de
Serpa Pinto.[43]
Das perícias
realizada nas cartas pela Comissão foram publicados dois livros que permitem
reconstituir todos os procedimentos adotados pelos dois peritos grafotecnicos
escolhidos. Um relatando todas as atas de sessões e os procedimentos realizados
sob a égide do perito da Comissão, Serpa Pinto, intitulado Documentos Históricos relativos a perícia legal da carta offensiva aos
brios da classe armada, publicado pelo Clube Militar; outro publicado pelo
perito contratado por Arthur Bernardes, Edgar Simões Corrêa, intitulado “As cartas falsas” attribuidas ao Snr. Dr.
Arthur Bernardes e a prova da verdade, ambos publicados ainda em 1922. Com a
análise técnica descortina-se uma terrível intencionalidade por parte do Clube
Militar e conduzida por seu perito. Este procurou, com a aprovação da Comissão,
excluir uma das cartas, concentrando a análise em um único documento. Nesse,
descartou inicialmente todos os elementos constitutivos da escrita para se
fixar apenas na assinatura. Esta manobra reduziu bastante o escopo de
possibilidades desta ciência tão inexata e possibilitou gerar dúvidas quanto a
autenticidade. Por outro lado, o perito Edgard Simões Corrêa, desde o início
procurou produzir diversos mapas comparativos de todas as letras grafadas nas
cartas e em outros documentos oficiais, o que levou a uma grande quantidade de
indícios sobre a falsidade das cartas, bem como a indicação do método de
falsificação.[44]
Para a análise serviu-se de diversos documentos reconhecidamente autênticos de
punho de Arthur Bernardes como elementos de comparação. Reproduções fotograficas
ampliadas permitiram ver interrupções não usuais na escrita cursiva que
denunciavam um processo de cópia. Da mesma forma, o perito Simões Corrêa
observou que a escrita de Arthur Bernardes era bastante irregular, apresentando
diversas forma de grafar várias letras, mas que, no entanto, fazendo uma
comparação entre as duas cartas a ele atribuídas, percebia-se uma uniformidade da
grafia das letras, além de não haver o traço de corte do “T” de Arthur em ambas
as cartas, elementos que sugeriam fortemente a falsificação pelo processo de
decalque, ou seja, cópia de cada caracter sobre um documento original,
engessando o produto final num padrão que não correspondia a nenhum outro
documento de orígem considerado autêntico por Arthur Bernardes.[45]
Enquanto parte dos militares de alta
patente se esforçava para dar ares de veracidade às cartas, outra se ultrajava
com a aceitação de uma mentira. Foi o caso do General Gomes de Castro que no
dia 24 de dezembro dirigiu uma conferência no teatro São Pedro cujo objetivo
foi mostrar publicamente os diversos aspectos da falsidade das cartas, ou a
“quintupla estúpida e immoral falsidade”: no papel, na caligrafia, no decalque
(processo de cópia), no estilo e, finalmente, no recúo dos acusadores.[46]
Tudo era acompanhado minuciosamente pelos jornais.
BATALHA
JORNALISTICA
Paralelamente
à batalha pseudo-judicial do Clube Militar, desenrolava-se uma intensa batalha
jornalística com os diversos periódicos da capital polarizados entre a campanha
de Nilo Peçanha e a de Arhur Bernardes. Além desses polos, ainda havia
periódicos anti-nilistas e anti-bernardista que favoreciam uma possível
substituição da candidatura de Arthur Bernardes por Hermes da Fonseca, era o
caso do jornal O Combate, onde era
redator um dos filhos do Marechal Hermes. O estopim da crise foi o Jornal Correio da Manhã que, não podendo recuar,
disparou pesadamente contra os bernardistas, permitindo farpas também para os
apoiadores de Hermes da Fonseca e levando a batalha até às vésperas do seu
desfecho sangrento, quando apresentou entrevista do falsário Jacinto Guimarães,
na qual falava de uma nova carta, do Sr. João Luis Alves a Fonseca Hermes, na
qual havia uma proposta de compra das cartas de Arthur Bernardes.[47] Esta
carta nunca foi mostrada, nem em fotografia, mesmo assim o General Ximeno
Vileroy deu publicidade a um folheto escrito por ele e intitulado “Reação Republicana
e as cartas”, no qual, dentre outras coisas apresentava o suposto texto dessa
carta[48]. Em
sua oposição direta estava a Gazeta de
Notícias que desmontava a todo o momento as acusações do Correio da Manhã contra os bernardista
e, por outro lado, apontando os nilistas como responsáveis de tais articulações
criminosas. Todos os demais jornais do Rio de Janeiro e do Brasil se
polarizaram em torno dos dois candidatos, Arthur Bernardes e Nilo Peçanha, numa
campanha jornalística classificada como subversiva pelo Procurador Criminal da
República[49],
devido ao incitamento entre as facções e numa troca de insultos e acusações que
marcaram um dos pontos mais baixos da política brasileira, herança terrível que,
não raro, se pôde presenciar em campanhas recentes.
A
campanha jornalística finalizou com a chegada das eleições, onde, vencidos pelo
voto popular, a facção hermista deixou a politicagem de lado e partiu para o
uso da força.
O USO DA FORÇA
Públicas as maquinações,
principalmente militares, contra Arthur Bernardes, o efeito parece ter sido
contrário ao desejado e em primeiro de março de 1922, a Nação o elegeu Presidente,
juntamente com seu vice Urbano Santos da Costa Araújo. Fato que, após contestações
e investigações, concretizou-se com o reconhecimento pelo Congresso em 9 de
junho. Inconformado com o resultado, o Marechal Hermes da Fonseca, presidente
do Clube Militar, enviou um telegrama ao Comandante da Região Militar do
Nordeste, em Pernambuco, excitando os oficiais a se rebelaram. Diante da
indisciplina, Epitácio Pessoa não teve outra saída a não ser determinar, no dia
2 de julho, a prisão do Marechal e o fechamento do Clube Militar por seis meses.[50]
O Exército encontrava-se dividido,
parte pela legalidade e parte, liderada por Hermes da Fonseca, pela insubordinação
e a recusa à futura posse do novo Presidente. Mal o Marechal Hermes fora posto
em liberdade, 24 horas depois, estourou no Rio de Janeiro uma revolta militar
que tinha os desígnios de revolução, a qual instauraria uma ditadura militar em
substituição ao governo eleito, impondo uma junta militar governativa. Na
madrugada de 4 para 5 de julho, por volta de uma hora da manhã, disparos vindos
do Forte de Copacabana denunciavam a rebelião contra as autoridades
constituídas. Até a tarde do dia 6 disparos de canhões contra o Quartel-General
do Exército e a tropa reunida, na praça Serzedelo Corrêa e nas entradas dos
túneis, mataram doze pessoas e feriram vinte e quatro, inclusive mulheres e
crianças. Muitas residências particulares também foram atingidas pelos disparos
dos canhões. Também na Vila Militar, parte da guarnição se rebelou, assim como,
em Realengo, a Escola de Guerra, mobilizada, marchou em direção à cidade,
chocando-se com forças legais e tendo baixas dos dois lados.[51]
O
procurador criminal da República, Carlos da Silva Costa, na denúncia crime
apresentada em 27 de novembro de 1922 esclarece perfeitamente o nexo dos fatos:
A questão das cartas falsas, insistentemente explorada na imprensa reaccionaria,
arrastou ao prelio as classes armadas e, durante largo tempo, os incidentes que
se lhe seguiram trouxeram a alma publica numa crescente superexcitação. Os
jornais da opposição, vendo que a repulsa das classes armadas á candidatura do
Dr. Arthur Bernardes seria o meio mais seguro de leval-o á desistencia ou á
renuncia, iniciaram então inconvenientissimo debate e franquearam suas columnas
á collaboração dos militares mais exaltados. A attitude do Club Militar,
sobretudo depois do exame das cartas, forçou o Governo a tomar excepcionais
medidas de rigor que provocaram os mais acres commentarios dos jornaes
opposicionistas, interessando vivamente a opinião publica. O incidente do
telegramma á guarnição de Pernambuco e a subsequente prisão do Marechal Hermes
precipitaram os acontecimentos, mais ou menos esperados no ambiente propricio
que lhes criou a subversiva campanha da imprensa.[52]
Paralelamente aos fatos do Forte de Copacabana,
também tropas da guarnição de Mato Grosso se sublevaram, sendo deslocadas em
direção a São Paulo e só parando após a notícia da derrota do movimento na
Capital pelas forças legalistas.[53]
Diante
da refrega, a maior parte do Exército permaneceu fiel à legalidade e ao
Ministro da Guerra, Pandiá Calógeras. Os disparos de Copacabana ainda atingiram
o Batalhão Naval, a Ilha das Cobras e o Arsenal de Marinha. Para evitar mais
mortes, o governo tentou negociar um armistício que, negado, ensejou disparos
da Fortaleza de Santa Cruz (do outro lado da entrada da baía da Guanabara)
contra o forte rebelde. Após a derrota na Vila Militar, o Ministro Calógeras
pessoalmente ligou para o forte para negociar a rendição com o Capitão Euclides
Hermes e sua tropa. Este dispensou o efetivo que quisesse sair do forte,
restando apenas alguns combatente. Ao sair para negociação, Euclides foi preso,
assumindo o comando o tenente Siqueira Campos, que, negando-se a se render,
cortou uma bandeira do Brasil em tiras e entregou aos últimos remanecentes do
forte. O grupo saíu, em franca minoria, decidido a combater até a morte nas
praias de Copacabana.[54]
Esse desfecho violento da campanha
presidencial, conhecido como “Os 18 do Forte”[55],
romanticamente é ligado ao movimeno tenentista, mas que com este só guarda a participação
de uma jovem oficialidade disposta a morrer por algum ideal (ainda difuso).
Neste aspecto, o revolucionário tenentista Juares Távora, que viria a ocupar
importantes posições políticas no Brasil pós-30, afirmou que este episódio não
passou de uma “mera questão pessoal”, com intuito de derrubar o presidente
eleito e “defender seus melindres, offendidos”[56],
ou de Hermes da Fonseca, cuja imagem estava bastante desgastada com o processo
eleitoral. De fato, o Marechal Hermes da Fonseca é citado no processo criminal
como o chefe ostensivo da revolta, tendo se dirigido à Vila Militar para
comandar a partir de lá, acompanhado por seu filho, o deputado federal capitão
Mário Hermes da Fonseca[57]; enquanto
o Forte de Copacabana se rebelava ao comando de outro filho, capitão Euclydes
da Fonseca. Dentre os civis arrolados no processo estava Hermes Rodrigues da
Fonseca Filho, mais um filho do Marechal. Também a tropa mobilizada de Mato
Grosso era comandada por um parente, General Clodoaldo da Fonseca, primo do
Marechal.[58]
Logicamente o movimento não era só familiar, mas os muitos apoiadores, civis e
militares, viam o Marechal como líder inconteste a ser seguido, numa atitude
francamente personalista. O que a facção Hermista do Exército não conseguiu
fazer com as fraudes das cartas e a ingerência do Clube Militar, pretendeu
fazer com sangue!
Também sobre o aspecto da luta
contra um sistema oligárquico representado por Arthur Bernardes não convence,
visto que o líder do movimento era Hermes da Fonseca que, como presidente de
1910 a 1914, fora a pura expressão da luta oligarquica pelo poder na Primeira
República.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Os fatos que foram expostos neste
artigo revelam uma história sórdida que marcou a campanha presidencial no ano
do centenário da Independência Política do Brasil. Pode-se observar que a trama
engendrada teve seu início nas ambições pessoais de um indivíduo de reputação
bastante prejudicada por seus frequentes golpes que visavam lesar o patrimônio
alheio. No entanto, os tentáculos do malcaratismo logo atingiram diversas
pessoas, civis e militares, envolvidas ou não com a política nacional, os quais
participaram ativa ou passivamente da trama, seja fornecendo documentos,
criando documentos falsos ou, simplemente, omitindo o conhecimento do
instrumento falso que seria utilizado para difamar Arthur Bernardes.
As cartas, cuja existência já havia
vazado meses antes e era objeto de comentários e maquinações, não precisavam de
um exame pericial para se determinar sua falsidade, mesmo assim o Clube Militar,
como representante das Forças Armadas procurou insistentemente defender a
veracidade das mesmas, diante de uma audiência jornalística perplexa. Essa
atitude, concluindo-se pela veracidade do que era sabidamente falso, acabou por
reforçar o posicionamento dos eleitores daquele candidato a que se pretendia
prejudicar, confimando-se, assim, a Presidência da República para Arthur
Bernardes no pleito de 1922.
Inconformado com o resultado das
urnas, o Marechal Hermes da Fonseca protagonizou uma das piores demonstrações
de derrespeito sobre a vontade do povo, intentando um golpe militar que deixou
dezenas de mortos e feridos, além de produzir um racha no Exército, dividindo-o
entre os defensores da manutenção do poder político pela classe armada e os
legalistas que não concordavam com a interferência armada na política nacional.
Esta divisão se perpetuou em diversos outros movimentos posteriores, permitindo
a entrada de ideologias no seio das Forças Armadas e deixando marcas profundas
nos movimentos das décadas de 1920 e 1930.
Além
dos cadáveres humanos, essa mal orquestrada batalha eleitoreira resultou em alguns
cadáveres morais, dentre os quais as próprias Forças Armadas (nesta época
representada pelo Exército e a Marinha) cuja honra se tentou
desnecessariamente defender, já que as
cartas eram realmente falsas, tomando-se atitudes insanas e desesperadas que
acabaram por vitimá-las de fato. Revelou-se, ostensiva e arbitrariamente, a
base apodrecida de uma aristocracia militar travestida em classe política. Ostensiva,
pela descarada e parcial defesa da comissão do Clube Militar, disposta a usar
meios ilegais e sórdidos, como a sonegação ou falsificação de documentos, cujo
conteúdo atacava a honra de seus adversários; arbitrária pela atitude
irresponsavelmente agressiva diante da derrota frente a vontade popular. Assim,
o título que, inicialmente, anunciou a existência das cartas de Arthur
Bernardes, Injurioso e ultrajante, na
verdade, melhor serve para revelar o quanto a honra da classe militar fora
ferida, não pelas palavras contidas nas cartas falsas, mas pela conduta de seus
oficiais mais representativos, durante o processo de sucessão presidencial.
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TERMINOU a prisão do comandante Alencastro Graça. Correio da Manhã, n. 8138, Rio de Janeiro, 14 jun 1921.
TURF, diversas. Gazeta de Notícias,
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ULTRAJE ao Exército. Correio da Manhã, n. 8255, Rio de
Janeiro, 09 out. 1921.
[1] PAULO Barreto.
Jornal do Brasil, n. 174, Rio de Janeiro, 25 jul. 1921, p. 5.
[2] PAULO Barreto.
Jornal do Brasil, n. 174, Rio de Janeiro, 25 jul. 1921, p. 5.
[3]Mário Rodrigues, equivocadamente, informa dez
de outubro, em seu livro Meu Libello (Cf. RODRIGUES, Mário. Meu libello. Memórias do
cárcere escritas em torno de duas revoluções (1ᵃ Parte). Rio de Janeiro:
Editora Brasileira Lux, 1925, p.136.).
[4] RODRIGUES, Mário. Meu libello. Memórias do
cárcere escritas em torno de duas revoluções (1ᵃ Parte). Rio de Janeiro:
Editora Brasileira Lux, 1925, pp. 136-138.
[5] BITTENCOURT. Edmundo. Mais um documento
authentico. Correio da Manhã, n.8296, Rio de Janeiro, 19 nov. 1921, p. 2.
[6] ULTRAJE ao Exército. Correio da Manhã, n. 8255, Rio de Janeiro, 09 out. 1921, p. 2.
[7] LIMA, Alberto de Souza. Arthur Bernardes
perante a História. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1983, p. 30.
[8] CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: o
Rio de Janeiro e a República que não foi. 3 ed. 23ᵃ reimpressão. São Paulo:
Companhia das Letras, 2014, p. 49-50.
[9] MAGALHÃES, Bruno de Almeida. Arthur Bernardes.
Estadista da República. Coleção Documentos Brasileiros 159. Rio de
Janeiro:Livraria José Olympio Editora, 1973. p. 90.
[10] PERSEGUIÇÃO aos militares, Correio da Manhã,
n. 8138, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 14 jun. 1921, p. 4; GRANDE movimento
no Exército. Correio da Manhã, n. 8155, Rio de Janeiro, 1 jul 1921, p. 4.
[11] TERMINOU a prisão do comandante Alencastro
Graça. Correio da Manhã, n. 8138, Rio de Janeiro, 14 jun 1921, p. 3; PRISÃO do
comandante Alencastro Graça e um projeto do deputado Mario Hermes, A. Correio
da Manhã, n. 8155, Rio de Janeiro, 1 jul 1921, p. 4.
[12] ALMANAK LAEMMERT. 67° Anno. Annuário Administrativo, agrícola,
Profissional, Mercantil e Industrial do Districto Federal para 1910. Rio de Janeiro: Officina Typográphica Almanak
Laemmert, 1910, p. 2129.
[13] DIÁRIO OFFICIAL. Rio de Janeiro: Imprensa
Official, 14 nov. 1912, p. 14.
[14] MAGALHÃES, Bruno de Almeida. Arthur Bernardes.
Estadista da República. Coleção Documentos Brasileiros 159. Rio de
Janeiro:Livraria José Olympio Editora, 1973, p. 95.
[15] BAPTISADOS. Gazeta de Notícias, n. 189, Rio de
Janeiro, 07 jul. 1912, p. 8.
[16] NO CLUB Militar. A Posse do Marechal Hermes da
Fonseca. Fon-Fon, n. 27, Rio de Janeiro, 2 jul. 1921, p. 18 e ACONTECIMENTO da
semana. Revista da Semana, ano 22, n. 27, Rio de Janeiro, 2 jul. 1921, p. 14.
[17] HOMEM do dia, O. Gazeta de Notícias, n. 323, Rio
de Janeiro, 10 dez. 1921, p. 1; CHANTAGISTA Oldemar de Lacerda, O. Gazeta de
Notícias, n. 327, Rio de Janeiro, 15 dez. 1921, p. 1.
[18] MAGALHÃES, op. Cit., p. 95.
[19] TURF, diversas. Gazeta de Notícias, n.
107, Rio de Janeiro, 18 abr. 1919, p.
19.
[20] PELOS Clubes. Gazeta de Notícias, n. 174, Rio
de Janeiro, 24 jun. 1914, p.6.
[21] ESCÂNDALO na Aduana. Gazeta de Notícias, n.
204, Rio de Janeiro, 2 jul. 1915a, p. 5; ESCÂNDALO na Aduana. Gazeta de
Notícias, n. 209, Rio de Janeiro, 8 jul. 1915b, p. 9; CONTRABANDO de Gonçalves
Campos & Cia, O. Gazeta de Notícias, n. 310, Rio de Janeiro, 6 nov. 1915,
p. 4.
[22] EMPREGADO “águia”, Um. Gazeta de Notícias, n.
105, Rio de Janeiro, 16 mar. 1919, p.5; VELHACARIAS do advogado Pinto Lima, As.
Gazeta de Notícias, n. 119, Rio de Janeiro, 1 mai. 1919, p. 7; CASO Pinto Lima
& C., O. Gazeta de Notícias, n. 125, Rio de Janeiro, 8 mai. 1919, p. 6; OLDEMAR
Lacerda obteve “habeas corpus”. Gazeta de Notícias, n. 198, Rio de Janeiro, 20
jul. 1919, p. 4; AINDA o caso Pinto Lima & C. Gazeta de Notícias, n. 279, Rio
de Janeiro, 9 out. 1919a, p. 4; AINDA o caso Pinto Lima & C. Gazeta de
Notícias, n. 282, Rio de Janeiro, 12 out. 1919b, p.5; e CASO Oldemar Lacerda
versus Pinto Lima & C., O. Gazeta de Notícias, n. 029, Rio de Janeiro, 29
jan. 1920, p.2.
[23] MAGALHÃES, Bruno de Almeida. Arthur Bernardes.
Estadista da República. Coleção Documentos Brasileiros 159. Rio de
Janeiro:Livraria José Olympio Editora, 1973, p. 96.
[24] Ibidem, p. 96-97.
[25] BITTENCOURT. Edmundo. Mais um documento
authentico. Correio da Manhã, n.8296, Rio de Janeiro, 19 nov. 1921, p. 2.
[26] CORRÊA, Edgard Simões. “As cartas falsas”
attribuidas ao Srn. Dr. Arthur Bernardes e a
prova da verdade. Rio de Janeiro, 1922, p. 65.
[27] Ibidem, p. 65.
[28] SERPA Pinto é uma fera!, O. Gazeta de Notícias,
n. 335, Rio de Janeiro, 24 dez. 1921, p. 1.
[29] CORRÊA, Edgard Simões. “As cartas falsas” attribuidas ao Srn. Dr. Arthur
Bernardes e a prova da verdade. Rio de
Janeiro, 1922, p. 65.
[30] MAGALHÃES, Bruno de Almeida. Arthur Bernardes. Estadista da República.
Coleção Documentos Brasileiros 159. Rio de Janeiro:Livraria José Olympio
Editora, 1973, pp. 100-101.
[31] CORRÊA, op. cit., pp. 66-67.
[32] CLUBE MILITAR. Documentos históricos relativos
à perícia legal da carta offensiva aos brios das classes armadas. Rio de
Janeiro: Editora Leite Ribeiro, 1922, p. 9.
[33] Ibidem, p. 17.
[34] MAGALHÃES, Bruno de Almeida. Arthur Bernardes. Estadista da República.
Coleção Documentos Brasileiros 159. Rio de Janeiro:Livraria José Olympio
Editora, 1973, p. 120.
[35] CLUBE MILITAR. Documentos históricos relativos à perícia legal da carta
offensiva aos brios das classes armadas. Rio de Janeiro: Editora Leite Ribeiro,
1922, p. 27.
[36] MAGALHÃES, Bruno de Almeida. Arthur Bernardes. Estadista da República.
Coleção Documentos Brasileiros 159. Rio de Janeiro:Livraria José Olympio Editora,
1973, p. 124.
[37] CLUBE MILITAR, op. Cit., p. 28.
[38] Ibidem, p. 11.
[39] MAIS um documento authentico. Correio da Manhã,
n.8296 , Rio de Janeiro, 19 nov. 1921, p. 2.
[40] CLUBE MILITAR. Documentos históricos relativos à perícia legal da carta
offensiva aos brios das classes armadas. Rio de Janeiro: Editora Leite Ribeiro,
1922, pp. 35-38.
[41] Ibidem, pp. 43-44.
[42] Ibidem, pp. 45-46.
[43] Ibidem, p. 76.
[44] CLUBE MILITAR. Documentos históricos relativos à perícia legal da carta
offensiva aos brios das classes armadas. Rio de Janeiro: Editora Leite Ribeiro,
1922; CORRÊA, Edgard Simões. “As cartas falsas” attribuidas ao Srn. Dr. Arthur
Bernardes e a prova da verdade. Rio de
Janeiro, 1922.
[45] CORRÊA, Op. Cit.
[46] CONTRA a infâmia da carta falsa. Gazeta de
Notícias, n. 335, Rio de Janeiro, 24 dez. 1921, p. 1.
[47] CARTA infamante que o Sr. Arthur Bernardes
escreveu contra as classes armadas, A. Correio da Manhã, n.8514, Rio de
Janeiro, 27 jun. 1922, p. 1.
[48] MAGALHÃES, Bruno de Almeida. Arthur Bernardes. Estadista da República. Coleção
Documentos Brasileiros 159. Rio de Janeiro:Livraria José Olympio Editora, 1973,
p. 131.
[49] BRASIL, Justiça Federal. Os acontecimentos de
5 e 6 de julho; denúncia do Procurador Criminal da República (27 de novembro de
1922 e 26 de janeiro de 1923). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1923, p. 3.
[50] LIMA, Alberto de Souza. Arthur Bernardes
perante a História. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1983, p. 35.
[51] BRASIL, Justiça Federal. Os acontecimentos de 5 e 6 de julho; denúncia
do Procurador Criminal da República (27 de novembro de 1922 e 26 de janeiro de
1923). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1923, p. 3.
[52] Ibidem, p. 6.
[53] Ibidem, p. 4.
[54] DRUMMOND, Cosme Degenar. O Brigadeiro Eduardo
Gomes, trajetória de um herói. São Paulo: Editora Cultura, 2011, p. 51.
[55] Segundo a denúncia do Procurador Criminal, eram 28 homens: “O Tenente
Siqueira Campos reuniu então os seus companheiros, num total de 28 homens,
partiu em 28 pedaços uma bandeira brasileira, entregando um a cada combatente,
e com elles abandonou o Forte, vindo a assaltar as forças legaes na praia.” BRASIL,
Justiça Federal. Os acontecimentos de 5 e 6 de julho; denúncia do Procurador
Criminal da República (27 de novembro de 1922 e 26 de janeiro de 1923). Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1923, p. 19.
[56] TÁVORA, Juarez. À guisa de depoimento sobre a
revolução brasileira de 1924. Rio de Janeiro: Mendonça, Machado & Cia.,
1928, v. 3, pp. 144-145.
[57] BRASIL, Justiça Federal. Os acontecimentos de 5 e 6 de julho; denúncia
do Procurador Criminal da República (27 de novembro de 1922 e 26 de janeiro de
1923). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1923, p. 10.
[58] Ibidem, p. 4.
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