sábado, 7 de novembro de 2009

A CABANAGEM (PARTE II)

            A fim de manter a Regência informada dos acontecimentos no Grão-Pará, o novo presidente enviou para o Rio de Janeiro um ofício, datado de seis de março, no qual relata as últimas ocorrências, dando ênfase a um grave problema diplomático ocorrido no governo Malcher com o representante consular francês e, finalmente, a sua posse como presidente da província.
            Mal a situação começava a acalmar na capital paraense, chegou ao porto uma esquadra (17 de abril) comandada pelo capitão-tenente Pedro da Cunha, enviada pelo presidente da província do Maranhão. Formalmente Pedro da Cunha informou ao presidente cabano que a esquadra “pacificadora” teria sido enviada para auxiliá-lo no controle da província.  No entanto, as relações diplomáticas entre Pedro da Cunha e reacionários de Cametá e Abaeté, logo deixaram claras as intenções de realizar-se um desembarque em Belém e retomar o poder em nome da Regência do Império. Descoberto os planos de Pedro da Cunha, a intenção inicial de Francisco Pedro Vinagre de entregar o governo ao cametaense Ângelo Custódio, vice-presidente eleito da província, começou a desvanecer. Acresce que o mesmo já havia saído de Cametá a 7 de maio acompanhado de 250 homens em nove grandes canoas a fim de se juntarem às forcas navais para o desembarque em Belém.


            As forças de Pedro da Cunha impuseram um bloqueia a Belém a fim de enfraquecer a resistência e facilitar a invasão. No dia 12 de maio foi içada a bandeira vermelha, símbolo da força cabana, no mastro do Forte do Castelo e iniciou-se o fogo de todo o litoral fortificado da Baía do Guajará. No comando do ataque preventivo estavam Francisco Vinagre e Eduardo Angelim. Toda a Frota naval abriu fogo e Belém foi intensamente bombardeada nas horas que se seguiram. Foi o segundo bombardeio à capital da província.
            Por volta das duas horas da tarde o Forte do Castelo e o Fortim São Pedro Nolasco se calaram. Estavam por demais atingidos pelos canhonaços de Pedro da Cunha. Os cabanos então se retiram para o interior da cidade e se preparam para o confronto por terra, corpo a corpo, defendendo cada rua, cada beco, cada casa.
            Em poucos minutos iniciou-se o feroz desembarque. As duas primeiras divisões a desembarcar na Ponte da Alfândega, obtiveram bom sucesso inicial, mas uma coluna comandada por Eduardo Angelim contra-atacou e os puseram em fuga. As duas divisões que desembarcaram do lado de Santo Antônio também logo foram rechaçadas. Por fim, as duas divisões de reserva que desembarcaram também na Ponte da Alfândega, só encontraram companheiros em fuga e não se ariscaram ao combate. Derrotadas e humilhadas as Forças Imperiais organizaram sua retirada como puderam.
            Cabe aqui lembrar que na história dos conflitos humanos a luta pela cidadania, caracterizada pela proteção inconteste dos seus lares e dos seus entes sempre foi a força motriz que multiplicou a capacidade combativa das minorias em prol da vitória no campo de batalha. Os cabanos neste momento eram a personificação desta força, a força da cidadania, e jamais seriam vencidos no confronto direto.
            Depois da desonrosa retirada continuou a artilharia dos navios a fustigar a cidade de Belém. No entanto, a fuzilaria cabana causou grandes estragos à Flotilha Imperial. Diante da situação foi içada a bandeira parlamentar na fragata Imperatriz e as outras duas naus levantaram âncora para se abrigar mais distante, fora do alcance da fuzilaria cabana.
            A partir de 15 de maio iniciou-se um ferrenho bloqueio de Belém. Incapaz de vencer no campo de batalha, a estratégia passou a ser o isolamento das forças cabanas dentro da própria capital. Cortadas todas as linhas de suprimento em breve o segundo governo cabano minguaria e ficaria de joelhos.
            No dia 22 de maio, o vice-presidente eleito, Ângelo Custódio, tomou posse como presidente na cidade de Cametá, fazendo ali um governo legal paralelo até que as Forças Imperiais chegassem com meios suficientes para expulsar os cabanos. Em Cametá o padre Prudência José das Mercês Tavares, o padre-coronel, foi incumbido da defesa da Capital Legal. De fato o padre Prudência comandou a organização das defesas com mãos de ferro, recrutando e armando todos em idade de combate.


            O segundo governo Cabano se viu nas mesmas dificuldades financeiras do governo anterior, lançando mão também de moedas de cobre já recolhidas (estas do período colonial) para serem remarcadas e efetuar-se o pagamento do funcionalismo público e da tropa.
            Desde 1º de abril, o Marechal Manoel Jorge Rodrigues havia sido nomeado, por Carta Real, Presidente da província do Grão-Pará e Comandante das Armas, e já se encontrava a caminho de Belém com uma esquadra comandada pelo inglês, a serviço do Império, Vice-Almirante John Taylor. Na passagem pela Bahia incorporaram um Batalhão de Caçadores e o Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil (Primeiro Bispo da Igreja no Brasil) Dom Romualdo Antônio de Seixas. Em São Luis, o Marechal recebeu do Presidente da província, uma ala do batalhão que fazia a defesa da cidade.


            Durante os meses de bloqueio o Conselho Cabano, reunido em torno de seu presidente Francisco Vinagre, decidiu entregar o Governo da Província às autoridades legais designadas pelo Império, procurando manter um mínimo de domínio social em torno das conquistas de até então. Uma das poucas exigências (não cumprida) seria a permanência de Vinagre no Comando das Armas.
            A 20 de junho chegou ao porto de Belém o Marechal Jorge Rodrigues com sua esquadra que se reunira aos demais navios que sitiavam a cidade. Ao contrário do que esperavam, o Pavilhão do Império havia sido hasteado e o novo Presidente foi cumprimentado, a bordo, pelo Secretário do Governo Cabano, padre Casemiro Pereira de Souza, em nome do presidente Vinagre, que o convidou a desembarcar. Imediatamente iniciou-se a distribuição dos impressos da Pastoral do Primaz do Brasil, dirigida ao povo paraense. Tal manifesto conclamava a todos pela união e paz na província, pedindo o desarmamento e o retorno de todos às suas atividades normais. O caboclo paraense tradicionalmente é um povo cristão de muita fé e esta Pastoral surtiu efeito maior do que dez bombardeios de Pedro da Cunha. O clero de Belém imediatamente acatou a Pastoral aconselhando o desarmamento dos caboclos e seu retorno para os interiores. Dom Romualdo de Seixas, também paraense de nascimento, conseguira o que nenhuma força do Império seria capaz de fazer.
Após negociações entre o conselho cabano e às forças legais, Francisco Vinagre entregou a presidência da província à autoridade designada pelo Império, o Marechal Manuel Jorge Rodrigues. O qual tomou posse no dia 26 de junho na Câmara Municipal, como Presidente da Província e Comandante das Armas (posteriormente passou o Comando das Armas ao Almirante John Taylor), chegava ao fim o Segundo Governo Cabano. O novo governo fora composto por um português (Rodrigues) como Presidente e um mercenário inglês (Taylor) como Chefe das Armas e um grupo de mercenários alemães, trazidos com o Marechal, policiava a capital.
CONTINUA (3ºGOVERNO CABANO)
 


Bandeira Cabana segundo o rascunho de Angelim (1836) e concepção do Dr. Eladio Cruz Lima (1936). Nunca existiu de fato. Os Cabanos utilizavam apenas a bandeira encarnada (vermelha).

4 comentários:

  1. Muito legal. Rico em detalhes. Por favor, estou precisando com urgência o modelo da bandeira do governo cabano. vc a possui?

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  2. Caro leitor, não há, de fato, uma bandeira da Cabanagem. Os cabanos utilizavam simplesmente a bandeira encarnada. No entanto, houve um rascunho ( no papel) de Eduardo Angelim, o qual foi destruído após a sua prisão. De posse da descrição podemos imaginar a bandeira conforme colocada acima. Caso queira mais detalhes, favor enviar um e-mail para "hist.atualidades@gmail.com"

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  3. Qual motivo da bandeira ter sido toda vermelha

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    1. Muitas pessoas imaginam um motivo ideológico para a cor vermelha, no entanto o motivo é puramente econômico. Havendo de determinar uma cor para distinguí-los das forças legais e, assim evitar, que se matassem uns aos outros durante as refregas, tingiam suas roupas e bandeiras com os recursos mais pobres encontrados coletados da natureza, já que não tinham dinheiro para comprar corantes artificiais e caros. Dessa forma, a utilização do urucum, murici, uxuá e crajirú, coletados nas florestas, davam a cor vermelha

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