segunda-feira, 7 de agosto de 2017

FILIPPE PATRONI, O PROFETA DO NOVO MUNDO


FELIPPE PATRONI, THE NEW WORLD PROPHET



Resumo

Filippe Patroni, nascido na mais setentrional capitania da colônia brasileira, no final do século XVIII, o Grão-Pará, tornou-se um dos mais notáveis e criticados homens de seu tempo. Visionário, protagonizou o Constitucionalismo no Brasil, a Imprensa no Pará, difundiu ideais de igualdade racial e Independência. Controverso, desafiou o Rei de Portugal e seus Ministros em pleno Congresso Nacional. Versado em leis, fluente em línguas vivas e mortas, foi tido como um dos homens mais cultos e erudito de sua época influenciando diversos movimentos políticos no Brasil. No entanto, hoje, seus feitos são praticamente desconhecidos. Este artigo se propõe a recuperar sua história e trajetória.

Palavras-chave: Filipe Patroni, Imprensa no Pará, Constitucionalismo, Revolução do Porto, Independência.



Abstract

Filippe Patroni, born in the northernmost captaincy of the Brazilian colony, by the end of the 18th century, the “Grão-Pará”, became one of the most notorious and criticized man of his time. Visionary, starred the Constitutionalism in Brazil, the press in the state of Pará, spread ideals of racial equality and independence. Challenged the King of Portugal and his Ministers in front of the National Congress. Well versed in laws, fluent in current used and dead languages, Filippe Patroni is seen as one of the most learned man of his era and influenced several political movements in Brazil. However, nowadays his achievements are practically unknown. This article’s proposal is to recover his history and trajectory.

Key-words: Filippe Patroni, press in the state of Pará, Constitutionalism, Porto Revolution, Independence.



De ultra-revolucionário à ultra-conservador, a frase de Baser Paschoal, “não me arrependo de mudar de opinião, pois não me envergonho de pensar”, nunca foi tão bem ensaiada no palco da vida quando por Felippe Alberto Patroni Martins Maciel Parente, ou Filippe Patroni, como era conhecido.

Na sua juventude, Patroni levantou bandeiras de pensamentos ultra-liberais em prol da liberdade do ser humano e da sua pátria. Ex-seminarista da colônia e possuidor de uma religiosidade fervorosa, desagradou a Igreja e à Coroa. Protagonizou o Constitucionalismo, a igualdade racial e a imprensa. Advogado, jornalista, juiz e deputado do Império, foi tido como um dos homens mais eruditos de seu tempo. Contudo, mais maduro, parece ter mudado radicalmente seu posicionamento, desconhecendo seus próprios princípios, sendo reconhecido pela ininteligibilidade de suas palavras escritas, por seus ideais confusos e por apresentar graves sinais de loucura, enxergava na álgebra um providencialismo profético para a história da humanidade.

Em grande medida, sua obra parece refletir as brutais mudanças de sua vida e de sua sanidade mental. No entanto, seu legado e sua personalidade marcou a história do Brasil e principalmente a do Pará.

Um pouco de biografia

            Os historiadores discordam bastante quanto à data de seu nascimento, mas normalmente é apontado o ano de 1798, sendo mais um ilustre filho do Rio Acará, município próximo de Belém, no Pará. Seus pais, Joaquim de Azevedo Martins e Joaquina Maria de Jesus Gomes Franco, lhe deram o nome do padrinho, capitão-tenente da Armada Portuguesa Filippe Alberto Patroni, comandante da fragata “Golfinho”, que fazia com frequência o trajeto de Lisboa a Belém (HURLEY, 1936; 53).

            Patroni realizou seus estudos secundários no Seminário do Pará, onde fora aluno de Filosofia e Retórica de Romualdo Antônio de Seixas, futuro Marquês de Santa Cruz e Primaz do Brasil[1]. Na opinião de D. Romualdo, Patroni era um aluno brilhante, mas fazia mau uso de seus dons. Cumprido o ensino médio, seguiu para a Universidede de Coimbra, onde estudou Leis e Cânones (Direito Civil e Canônico) (SEIXAS, 1861; 19). Possuidor de uma mente poderosa, dominava várias línguas, vivas ou mortas, tais como o francês, inglês, espanhol, grego, latim, sânscrito e o nheengatu, a língua geral dos índios.

            Em 1817, já no segundo ano de seu curso na Universidade de Coimbra, Patroni quis ter seu primeiro contato com a Imprensa, que tanto lhe encantaria por toda a vida e que, na sua terra natal, ainda não produzia frutos. Concebeu uma carta endereçada a Salvador Rodrigues do Couto, seu patrício paraense, estimulando-o a concitar todos os seus conterrâneos a buscarem “luzes” na Europa para engrandecerem sua terra. A carta em si nada teria de mais, contudo, Patroni anotou cada verbete interessante e dissertou sobre cada item de sua terra, avolumando o trabalho. Essa carta, datada de 5 de setembro de 1817, foi publicada no Jornal de Coimbra. De fato, é um brilhante exemplo de corografia amazônica, que relata traços da história do Pará, personalidades ilustres, além de uma detalhada descrição da cidade de Belém, com suas ruas, igrejas, quarteis, forças militares e milícias. No campo da Natureza, descreveu animais, árvores e suas utilidades, frutas, as mais exóticas e variadas, e seus preparos, além de minúcias da culinária que vão da maniçoba, tacacá, preparo da farinha d’água e seca e do tucupi, ao mingau de pacóva (banana). Ele se recente do pobre aproveitamento das muitas riquezas do Pará por falta de iniciativa empreendedora (PATRONI, 1817; 269-391). Aos estudiosos da história, muito interessa os relatos de viajantes estrangeiros que pormenorizaram os detalhes de sua passagem nas terras brasileiras, contudo esta iniciativa de Patroni cumpre perfeitamente a função de dar uma “fotografia” detalhada do Pará do início do século XIX.

            Foi com o espírito de publicar suas ideias que Patroni, em 1818, publicou seu primeiro trabalho que parece trazer sua marca de sacudir a mesmice. Trata-se da intitulada Dissertação sobre o direito de caçoar, que compete aos veteranos das academias. Talvez por ter sofrido no primeiro ano, ou por querer estabelecer regras para os veteranos, condição que acreditava ingressar já no segundo ano, Filippe Patroni buscou no Direito Português, nas Ordenações, no Direito Romano e na tradição, a orígem de tal prerrogativa e sua legalidade. No entanto, numa segunda parte de sua dissertação, tratou dos excessos e da falta de probidade em tais atos e do quanto algumas atitudes ofensivas perdem totalmente a legalidade e depõem contra a ordem da sociedade (PATRONI, 1992). Era Patroni sendo Patroni, sacudindo seu meio social.

            Ainda em 1820, estando de posse de um antigo manuscrito que tratava do roteiro de viagem de Belém até o extremo oeste da comarca do Rio Negro, no qual vinham dados precisos da geografia e demografia de província do Pará e, pela escrita erudita e seus próprios conhecimentos, Patroni julgou importante perpetuar e divulgar o trabalho, embora desconhecesse o autor. Assim, encaminhou o manuscrito para o Jornal de Coimbra, solicitando sua publicação, mesmo reconhecendo não ser de sua autoria. Os redatores do jornal verificaram a importância do manuscrito e deram-lhe publicação, juntamente com a carta de Patroni que o solicitava (PATRONI, 1820; 85-145). Desta forma ganhou sua primeira versão impressa o documento identificado como Roteiro da viagem da cidade do Pará até as últimas colônias do sertão da província, de autoria do antigo governador do Bispado do Pará, José Monteiro de Noronha, concebido por volta de 1768 quando este era Vigário Geral do Rio Negro. Este documento que circulara em algumas cópias manuscritas por cinquenta anos é hoje considerado precursor de uma nova fase de estudos de geografia humana na Amazônia, além de ser o único de sua época escrito por um brasileiro (NORONHA, 2006; 11-15). Talvez estivesse naquele momento exercitando seus dons messianicos e proféticos em nome da província do Grão-Pará, dons que viriam a ficar cada vez mais evidentes com o passar do tempo.

Foi neste clima acadêmico que Patroni tomou contato com as ideias liberais que o movimento Constitucional fez explodir em Portugal. Logo, ele se inflamaria com tais apelos e não aceitaria outra proposta a não ser levá-los para seus conterâneos.

A Revolução Liberal do Porto

Em Cadiz, na Espanha, em 1812, as tropas do general conde de Abisal rebelaram-se contra a determinação de seguir para o Rio da Prata no extremo sul do planeta e proclamaram a Constituição naquele país. O regime constitucional espalhou-se rápido por toda a Espanha, tendo o Rei Fernando VII que se submeter a dita Constituição, em 1820. A ideia de estar numa monarquia constitucional logo contagiou o país vizinho. Em Portugal a Revolução se deflagrou em 24 de agosto de 1820 na cidade do Porto e em setembro em Lisboa, proclamando-se um regime liberal. No caso português, os motivos diferiam muito dos espanhóis. As principais queixas giravam em torno da permanência da Corte Portuguesa no Brasil e a consequente ruína do comércio e indústria de Portugal, muito motivada pela abertura dos portos brasileiros ao comércio mundial (VARNHAGEN, 1857; 394).

Embora a intenção do novo governo fosse francamente evitar a perda da colônia brasileira, como acontecia com as colônias espanholas na América, o ato de retirar o poder do Rio de Janeiro, subordinando as províncias brasileiras diretamente a Lisboa, inclusive com representantes das mesmas na Capital do Reino, soava aos brasileiros como uma possibilidade de ter mais autonomia nas suas terras maternas, possuindo verdadeira representatividade em Lisboa. Desta maneira muitos brasileiros que moravam em Portugal rapidamente se animaram em desfraldar a bandeira liberal do regime constitucional.

Filippe Patroni, encantado por essas ideias e convicto de que o regime constitucional daria mais autonomia e oportunidades a tão maltratada e esquecida província do Grão-Pará, imediatamente deixou a faculdade em Coimbra e fez-se de velas em direção a sua terra natal, fazendo-se representante do governo português, e com a intenção de implantar o Sistema Constitucional no Pará (RAIOL, 1865;11).

Patroni chegou ao porto de Belém a bordo da galera Nova-Amazonas no dia 10 de dezembro de 1820, iniciando sua pregação e maquinações no intento de se promover um novo governo fielmente vinculado às Cortes Gerais Extraordinárias Constitucionais de Portugal, livrando-se da intermediação da Corte do Rio de Janeiro (BAENA, 1969; 319 e RAIOL, 1865;10). Segundo o testemunho de D. Romualdo Antônio de Seixas:

Não era difícil fazer aceitar as mudanças da Metropole em uma Provincia, onde predominava a influencia Portugueza, e regida por uma administração fraca e sem prestígio. Temia-se também a volta do Conde Governador, e os seus desaffectos não podião deixar de aproveitar um ensejo tão favorável aos seus intentos. Assim que não foi necessário, creio eu, muita habilidade ao Emissario Portuguez, para desempenhar o seu mandato, encontrando a melhor disposição e accordo nos Chefes Militares, à excepção do Commandante de Cavalaria, que não estava no segredo (SEIXAS, 1861; 19).

            A ideia de adesão à Constituição portuguesa encontrou campo muito fértil no subterrâneo de oposição ao Governador e Capitão-general da província do Pará, Conde de Vila Flor. Acresce que a oportunidade de virar a mesa política era proporcionada pela ausência desse governador que havia pedido licença para realizar seu casamento no Rio de Janeiro. O Governo estava nas mãos de uma Junta de governadores provisórios (RAIOL, 1865; 10). Patroni procurou várias autoridades para expor o plano de adesão, incluindo-se dois dos três governadores provisórios, o arcediago Antônio da Cunha e o ouvidor Antônio Maria Carneiro de Sá, além do Intendente da Marinha, João Antônio Rodrigues Martins. Este último o persuadiu a acautelar-se por não saber o posicionamento e reação dos chefes militares. Mesmo assim, Patroni falou ao comandante do Regimento de Infantaria de Linha, coronel João Pereira Villaça. Este mostrou-se indeciso e desconversou, fazendo com que Patroni, preocupado, agisse com mais recato (PATRONI, 1821; 63).

            Por outro lado, as reuniões realizadas no “clube” na loja do tenente de milícia José Baptista da Silva produziram fortes efeitos de convencimento sobre os comandantes militares, coronéis Villaça e José Rodrigues Barata, que foram os sustentáculos, coordenando as tropas militares. E, dessa forma, planejaram o ato de adesão à Constituição Portuguesa para o dia 1° de janeiro de 1821, por ocasião da parada militar que regularmente ocorria no largo do Palácio do Governo. Tudo, excluindo a presença do próprio Patroni que, ao tomar conhecimento da iniciativa, correu ao Palácio do Governo a fim de reunir-se ao ato (PATRONI, 1821; 66).

            Foram eleitos sete representantes para a formação da Junta Provisória de Governo, destes apenas um era paraense, o vigário capitular Romualdo Antônio de Seixas. Patroni teria interferido nesta questão, defendendo a necessidade de eleger-se mais representantes da província. Por este motivo foram eleitos mais dois nomes paraenses, totalizando nove os governadores da Junta Provisória. Por fim, foram designados delegados aos lugares da província e encarregado Patroni de apresentar os fatos e documentos sobre a Adesão ao Congresso Português (PATRONI, 1821; 68-76).

            Filippe Patroni, logo ao chegar em Lisboa, procurou apresentar suas credeciais (ofícios da Junta Provisória do Pará) à Regência do Reino no dia 31 de março. Diante dos fatos foi marcado a apresentação da comissão, que também contava com o alferes Simões da Cunha, às Cortes Gerais no dia 5 de abril. Nesta data, a comissão foi recebida com toda pompa e Patroni pode discursar longa e emotivamente no Congresso. Afirmou terem os paraenses quebrado o jugo do despotismo no Pará e a total adesão à causa constitucional de Portugal (RAIOL, 1865; 15-16).

            Considerando realizada sua missão, utilizou-se dos bons préstimos da tipografia para mandar publicar seus dois discursos realizados em nome do povo paraense; o do dia 31 de março realizado no hall do prédio da Regência, e o do dia 5 de abril, realizado diante das Cortes Gerais. A publicação veio a luz pelo trabalho encomendado ao tipógrafo Daniel Garção de Mello com o nome Peças interessantes relativas a Revolução efetuada no Pará a fim de se unir a sagrada causa da Regenerção Portuguesa. Esse opúsculo de 110 páginas, publicado ainda em 1821, trazem muito mais do que a transcrição dos discursos, pois com as anotações feitas e acréscimos de documentos, Patroni divulgou boa parte de suas ideias, que merecem uma análise mais amiudada (PATRONI, 1821).

            Há de se ressaltar, quando da citação sobre o governo norte-americano, o claro posicionamento abolicionista, pouco comum em brasileiros do início do sécuo XIX: “Delaware he o Rio, que banha a bella provincia, onde o famoso Penn manteve os direitos da humanidade, não consentindo lá escravatura. Ah! quem me déra poder ser o Penn do Pará!!” (PATRONI, 1821; 38)

            O major Antônio Ladislau Monteiro de Baena relatou, contrariado, que Patroni “achando-se de visita em uma casa pedio agua: um moleque lh’a deo; depois de beber levantou-se, e fallando com o negrinho lhe agradeceo nestes termos = Obrigado; tu és um ente taõ livre como eu, o direito de tyrannia te tem escravo: tomara eu...=” (BAENA, 1969; 328)

No mesmo sentido, ao apresentar seu plano para uma eleição no Pará a ser realizada imediatamente para fins de eleger os representantes no Congresso, Patroni inclui os escravos no cálculo das vagas de deputados: “Art. 10°. Hum Deputado deverá corresponder a cada trinta mil almas, entrando neste numero os escravos, os quaes, mais que ninguem, devem ter quem se compadeça delles, procurando-lhes huma sorte mais feliz, até que hum dia se lhes restituão seus direitos.” (PATRONI, 1821; 109)

            Acresce o fato que consta nessa publicação a descrição detalhada de todos os acontecimentos ocorridos no Pará desde o seu desembarque até a adesão ao Sistema Constitucional e eleição da primeira Junta Provisional de Governo, prestando, assim, mais um inestimável serviço à História Nacional (PATRONI, 1821; 61-71). Esta descrição, por ser a única precisa, vem sendo reproduzida em obras importantes como Motins Políticos, cuja publicação de seu primeiro volume se deu em 1865, por Domingos Antônio Raiol, o Barão de Guajará, célebre historiador do Segundo Reinado.

Independência do Brasil

            Espírito inquieto, Filippe Patroni confiava numa rápida mudança na situação precária da colônia brasileira, em especial a tão maltratada província do Grão-Pará. Ao contrário, inquietava-o ver que nada estava sendo feito. Sua deputação em Lisboa encerrara-se com a apresentação dos sucessos da Adesão ao novo sistema. Como não houvera eleição no Pará, ele não foi aceito como deputado. Outrossim, não se podia realizar tais eleições, pois se aguardava uma definição dos procedimentos por parte do Congresso. A esperada nomeação de um Comandante das Armas para sua província também não ocorrera. Na prática, apenas enfraquecera-se a Corte do Rio de Janeiro. Revelava-se, assim, a verdadeira face do plano tenebroso em que, iludido, tomara parte: a recolonização do Brasil com a provável perda do estatus de Reino Unido.

            Mudando diametralmente seu posicionamento quanto a Adesão, Patroni redigiu uma circular para ser enviada para o Pará, na qual anunciava novas eleições para o governo da província, seu breve regresso e, ainda, concitando seus patrícios a seguirem o exemplo de Pernambuco (RAIOL, 1865; 19). Seguir o exemplo de Pernambuco não poderia ser outro além da revolução emancipacionista de 1817.

            Contrariado em Portugal, associou-se aos irmãos João, Francisco e Manuel Fernandes de Vasconcellos, os quais embarcaram para o Pará, portando a referida circular, além de vários exemplares do Indagador Constitucional em que vinha impresso o plano de eleição concebido por Patroni (RAIOL, 1865; 19-21).

            Filippe Paroni sabia da necessidade de vir ao Pará e apresentar seu novo posicionamento e, principalmente, desmascarar a trama da Adesão em que estivera iludidamente envolvido. No entanto, uma notícia o prendia à Portugal, era o fato da Família Real estar voltando. Um retorno precipitado o impediria de por em prática seu último recurso, denunciar diretamente ao rei D. João VI a inércia e incompetência de seus Ministros!

Logo da chegada ao Pará, os irmãos Vasconcellos iniciaram a divulgar as ideias independentistas e de igualdade de direitos, assim não tardou a serem denunciados. Entre os papéis distribuídos estava a circular de Patroni que tinha na fronte, como divisa, duas mãos dadas, uma branca e outra negra, além de sugerir que o aguardasse “para mudar a ordem das coisas”. Este papel sugeria aos portugueses da província que ele voltaria para liderar uma revolta com o apoio dos escravos (BAENA, 1969; 328). No dia 2 de novembro, o capitão de segunda Linha José Ribeiro Guimarães, português, guarda livros da casa da Viúva do Desembargador Pombo, apresentou à Câmara a denúncia contra os irmãos Vasconcellos que se encontravam no Pará e, principalmente, contra Filippe Patroni por ser autor dos escritos que estavam sendo distribuídos em Belém (CAMPOS, 1824), os quais, segundo a denúncia, incentivavam a separação de Portugal, estimulavam o apoio à causa Republicana e estavam causando grande agitação entre os escravos, que o aguardavam como redentor e libertado do sistema escravagista. Esclarecia o denunciante que o artigo décimo da proposta de Patroni para eleições na província, por incluir o cômputo dos escravos a fim de se determinar o quantitativo de deputados e o discurso em termos de “quebrar-se os grilhões que escravizava o povo paraense”, levou até às pessoas letradas a entenderem que estariam libertos todos os escravos quando da chegada de Patroni ao Pará, causando grande agitação. Decorrente desta denúncia, que fora encaminhada ao Ouvidor, os irmãos Vasconcelos foram presos e enviados à Portugal, onde só foram anistiados em maio de 1822. Patroni, denunciado à revelia, era esperado com ordens de prisão logo ao desembarcar em solo paraense (RAIOL, 1865; 20-22).

Devido sua delonga em Portugal, Patroni resolveu providenciar o envio de uma tipografia ao Pará, pois reconhecia os bons frutos políticos e de ilustração ao povo provenientes da palavra impressa. Neste intuito se uniu a Simões da Cunha, que o acompanhava na deputação paraense e a José Baptista da Silva, outro correligionário dos trabalhos políticos da Adesão Constitucional do Pará e que já se encontrava em Lisboa a fim de reclamar alguma benesse pelos seus feitos de primeiro de janeiro. Ficou Simões da Cunha encarregado de retornar imediatamente ao Pará levando a dita tipografia, acompanhado do tipógrafo Daniel Garção de Mello para pô-la em funcionamento (RAIOL, 1865; 23).

Ao contrário do pensamento de Patroni, a volta do rei em nada modificaria o posicionamento dos Ministros e das Cortes Gerais. D. João VI chegou à Lisboa em 3 de julho de 1821, coato e em vias de perder totalmente seus poderes monárquicos. Sob pressão não poderia se dar ao luxo de repudiar a Constituição como fizera a rainha, a qual foi condenada a ser expulsa do reino e inicialmente confinada no palácio de Queluz. Sem alternativa e esquivando-se de aparecer no Congresso, o rei jurou a Constituição no dia primeiro de outubro e encerrou solenimente as Cortes no dia 4 de novembro. O primeiro rei constitucional de Portugal submetia-se aos seus representantes (CALMON, 1936; 281-293).

Patroni não perdia uma oportunidade para denunciar o despotismo na sua província natal. Em 23 de outubro apresentou uma representação na Comissão de Ultramar contra o coronel João Pereira Villaça, pelos seus desmandos no Pará e outra denunciando a conduta do coronel Francisco José Rodrigues Barata, membro do governo provisório daquela província (CONCILIADOR, 1822; 2).

Foi neste novo ambiente político, de uma Constituição que era muito mais despótica e recolonizadora para o Brasil do que o era a Monarquia absoluta, que Filippe Patroni teve sua última oportunidade de apresentar-se diante do rei D. João VI e seus Ministros, no dia 22 de novembro de 1821. Seu discurso fez história como a fala mais dura e clara que um soberano e toda a sua corte de Ministros jamais ouvira de um súdito na história Portuguesa e, quem sabe, de todas as monarquias do mundo. Trechos dessa incrível pérola de sua lavra merecem transcrição literal:

Acredite, Senhor, no que lhe vou expôr. Vossa Magestade ainda está cercado de aduladores, de homens que lhe não fallam a pura verdade. Toda a gente, que o cerca, ainda o illude e engana, compromettendo de tal maneira a honra do chefe da Nação. [...] decretando em 29 de setembro as Juntas Ultramarinas, e nomeação dos governadores das armas: cincoenta dias tem já decorrido, depois que se expedio aquelle decreto, e até agora os ministros estão a dormir!!! A charrua Gentil Amazonas, destinada a navegar para o Pará está surta no Tejo a fazer despezas á nação, há dois mezes!!! Nem se nomeia governador para aquela província; nem se faz partir para lá a charrua! ... É muito desmazello! ...é muito dormir! ... É por os povos do Pará na última desesperação, e contribuir para que elles rompão todos os obstáculos, para se libertarem dos seus tyrannos. [...] Se um ministro pela sua negligência ou despotismo, apresenta um governo tyranno, os povos desesperam e sacodem o jogo. Os povos não são bestas, que soffram em silêncio todo o peso, que se lhes impõe. O Brasil quer estar ligado à Portugal; mas se o ministério do reino-unido, pela sua frouxidão, contribuir para consistencia e duração da antiga tyrannia, o Brasil em pouco tempo proclamará a sua Independência. [...] Todo mundo sabe, que o atual ministro da marinha é inhabil. [...] Todo mundo sabe, que Torres não é capaz de occupar o laborioso cargo de secretario d’Estado. [...] Desengane-se, Senhor, Vossa Magestade está sercado de aduladores, de homens que lhe não falam a verdade pura, com a franqueza propria dos homens horados. [...] Faça Vossa Magestade em tudo responsaveis os ministros e conselheiros: e quando souber que algum delles é servil e adulador, e que lhe não falla verdade com toda franqueza, mande-o enforcar: ... (RAIOL, 1865; 27-30, grifo nosso)

            Patroni exigia, ainda, que o rei nomeasse um governador das armas para o Pará, mandando-o embarcar imediatamente e partir na charrua Gentil Americana na segunda-feira seguinte (26). A ferocidade de seu discurso fez com que ele fosse retirado da plenária, sem poder terminar em sua totalida tudo o que preparara (RAIOL, 1865; 30).

            Se por um lado, Filippe Patroni podia ser tomado como louco, por fazer tão agressivo e insultuoso discurso perante o rei; por outro, não se pode negar a coragem com que profetizava a Independência do Brasil e culpava a própria atitude dos ministros que deveriam estar olhando pela colônia portuguesa.

            Sabendo que não mais poderia permanecer em Portugal, Patroni embarcou na galera Maria para o Pará, lá chegando em janeiro de 1822. Ao desembarcar, em Salinas, foi preso pelas acusações constante no libelo em que figurava com os irmãos Vascocellos. Entretanto, ao ser transportado para Belém, o governo da província orientou a sua soltura para evitar maiores agitações, já que enfrentava graves críticas a sua conduta despotica. A primeira decepção de Patroni foi ver que seu ex-correligionário, Simões da Cunha, como voltara promovido de alferes a tenente-coronel pelos feitos de primeio de janeiro de 1821, apresentou-se ao coronel Villaça e pôs a tipografia a funcionar para o partido português da província. Imediatamente providenciou, junto com o seu outro sócio, José Baptista da Silva, a retomada da tipografia para uso em favor dos brasileiros e contra o despotismo na província (HURLEY, 1936; 64).

            Em março procedeu-se as eleições para a nova Junta Provisória de Governo da Província, a qual foi composta de sete membros. Para decepções do grande patriota, mais uma vez ficou de fora de qualquer cargo político (HURLEY, 1936; 36).

            Armou-se um complô para que a tipografia não funcionasse. Inicialmente com Simões da Cunha retirando um terço dos tipos referentes a sua parte no investimento, o que não foi suficiente para impedir a operação. Em seguida, planejou-se atacar a casa roubar o restante dos tipos e destruir os equipamentos. Esta ação foi denunciada a tempo de Filippe Patroni retirar o equipamento para local seguro e se preparar para fazê-lo funcionar mais produtivamente (RAIOL, 1865; 26-27).

            Contrariando as possibilidades, finalmente no dia 22 de maio de 1822, Patroni pode distribuir o primeio número de seu periódico, O Paraense, o primeio jornal da povíncia do Pará. Os, já famosos, benefícios políticos e de ilustração do povo puderam então ser desfrutados pela gente daquela tão setentrional região. É interessante observar-se o conteúdo cauteloso dos primeiros números desse periódico. Abrindo com chave de ouro, sua primeira edição, apresentou a lei de Liberdade de Imprensa que recentemente fora decretada pelas Cortes Gerais Extraordinárias. Seguiram algumas notícias da Corte, incluiu-se uma reflexão sobre o dia 11 de março, ou seja, sobre o dia das novas eleições para a municipalidade do Pará. Louvou o Decreto de 29 de setembro de 1821 por espantar o despotismo de um governo unitário e apresentou os novos componentes da Junta de Governo da Província. Com mesma cautela, apenas citou, na folha de suplemento, o fato de o Príncipe Regente ter se recusado a seguir para Portugal, contrariando a ordem das Cortes e que, em Portugal, se temia a separação do Brasil (O PARAENSE, 1822a). Três dias depois, 25 de maio, foi distribuido o segundo número de seu jornal, seguindo a mesma linha branda do anterior (O PARAENSE, 1822b). Neste mesmo dia Filippe Patroni foi preso novamente.

            O próprio Patroni explica no terceiro número de seu jornal, os acontecimentos do dia 25. Ocorreu que na galera Prazeres e Alegrias, que acabara de chegar ao Pará, veio uma ordem do Corregedor do Crime da Corte, dirigida ao Corregedor do Pará para que procedesse sua prisão, em decorrência de sumário que se tirou em Lisboa, devido a sua fala no dia 22 de novembro. Quanto ao caso, Patroni afirmou que sua fala não extrapolara os limites da Lei de Imprensa e que fora pego em outro ponto, o de ter falado alto na presença do rei. Contudo também desta fala se defende, pois já fizera outros discursos enérgicos na presença do rei, elevando e baixando a voz na medida em que as regras de oratória o exigiam. Quanto a chamar o Ministro de Estado de frouxo e negligente, também não viu qualquer crime, já todos sabiam ser verdade e o rei o ouvia atentamente (O PARAENSE, 1822c; 3). Acresce, que tanto era necessário que o próprio rei demitiu, por decreto, o dito Torres, Ministro de Estado (O PARAENSE, 1822b; 2).

            Preso e em vias de ser remetido para Portugal para responder sobre seu libelo, Filippe Patroni passou a redação do jornal para o cônego Baptista Campos, o qual seria um dos principais responsáveis por inflamar o povo paraense para à Independência do Brasil (HURLEY, 1936; 67). Em fins de junho, seguiu para Lisboa, preso no bergantim Pensamento Feliz, chegando em 21 de agosto, depois de 55 dias de viagem (DIÁRIO DO GOVERNO, 1822; 1472).

            O Pará era a província mais ligada a Portugal, só aderindo a Independência do Brasil em agosto de 1823. Por isso os primeiros movimentos de Patroni e a introdução de uma imprensa liberal foram muito significativos para manter o Pará unido ao Brasil. A história oficial da adesão do Pará à Independência do Brasil tem sua orígem na obra de Lorde Cochrane, de 1859, sobre sua atuação na Guerra de Independência do Brasil. Cochrane, atribui a adesão do Pará, simplesmente a um seu ardil de enviar um único brigue armado, Maranhão, ao Pará, comandado pelo capitão-tenente Grenfell. Com este ia uma correspondência assinada por Cochrane e que deveria ser datada do dia da entrada na náu no rio Pará. Esta correspondência informava a Câmara Municipal que a esquadra brasileira se encontrava fora da barra e exigia a adesão à Independência, caso contrário todos os navios entrariam a bombardear a capital da província, Belém. Acreditando no ardil, a Câmara Municipal e a Junta de Governo se curvaram e proclamaram a Independência (DUNDONALD, 1859; 79-88). Nas palavras do Almirante Cochrane:

O plano foi habilmente conduzido pelo talentoso official a quem fôra confiado, que, não obstante consistir a sua força em menos de cem homens, os habitantes do Pará, sem uma voz dissidente – salvo a do commandante Portuguez – declararam a Adhesão ao governo de Sua Magestade; e d’esta sorte uma província maior na extensão doque a França e Inglaterra juntas, foi acrescentada ao Imperio, e a Independência do Brazil effetuada até a sua extremidade septentrional (DUNDONALD, 1859; 88).

            Não é necessário muito esforço para perceber-se que a história oficial só tem cabimento pelo fato de, a esta época, já ser muito forte o movimento liberal independentista no Pará. Portanto, acreditou-se numa história que se queria acreditar; e estes eram a maioria. Pelo contrário, como narra o Barão de Guajará, o brigadeiro Moura, governador das armas, não acreditou na história de uma esquadra fora da barra e que não se podia ver... No entanto, foi voto vencido! Dessa maneira, o reconhecimento da Independência do Brasil no Pará tem muito a dever ao movimento inciado por Patroni mais de um ano e meio antes, além da introdução da imprensa que dera o impulso definitivo para esta obra.

O sertanista

            Em Portugal, Patroni foi recolhido à fortaleza de S. Julião, pemanecendo preso até que Portugal reconhecesse a Independência do Brasil. Solto voltou a Coimbra e finalizou seus estudos, bacharelando-se em Leis e Cânones (Direito Civil e Canônico) (HURLEY, 1936; 68). Estas questões devem ter se resolvido mais rápido do que parece, pois, encontrou-se Patroni anunciando exercício privado de advocacia no Rio de Janeiro, a partir de abril de 1824 (DIÁRIO DO RIO, 1824; 35). Em primeiro de outubro de 1827 foi publicado os despachos da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, onde Patroni figurava com nomeação de juiz de fora para a vila Real da Praia Grande (Niterói) (IMPÉRIO, 1827; 368). Possivelmente por ter garantido um bom emprego público, Patroni embarcou para sua terra natal a fim de acertar o casamento com sua prima, D. Maria Anna de Souza Azevedo, cujos acertos vinham suspensos desde 1822 por causa da sua prisão (HURLEY, 1936; 68). Deixou o Rio no dia 19 de janeiro de 1828 no bergantim Port. Concódia, que iria para a Cidade do Porto, via Maranhão (IMPÉRIO, 1828; 72). Ao chegar em Belém, tratou de seu casamento para o dia 19 de abril, dia em que seu sogro também faleceu. Demorando-se um pouco mais em sua terra natal, partiu de volta para o Rio de Janeiro no dia 19 de janeiro de 1829, embarcando na escuna Amizade com sua esposa e seus escravos (nesta época parece já ter esquecido seus ideais de igualdade!). Patroni relata grandes padecimentos de enjôo, seu, de sua esposa, de seus escravos e, ainda, de tristeza de sua esposa por se separar de sua mãe e irmão, além da recente morte de seu pai. Chegando a Fortaleza em 15 de fevereiro, Patroni decidiu desembarcar e seguir viagem por terra! Três mil e quinhentos quilômetros a serem vencidos pelos sertões brasileiros. Viagem que duraria praticamente um ano, pois chegou ao Rio de Janeiro somente em 12 de julho de 1830 (PATRONI, 1975c). Durante a viagem Filippe Patroni concebeu um relato corográfico para fins de lazer de sua esposa. Este relato foi publicado pela primeira vez na forma de livro em 1836 e hoje é um importante registro dos costumes dos sertões brasileiros no início do século XIX. Mais uma rara obra de viajante brasileiro pela imensidão do Brasil: A viagem de Patroni pelas províncas brasileiras de Ceará, Rio de S. Francisco, Bahia, Minas Gerais, e Rio de Janeiro: nos anos de 1829 e 1830.

O jurista

            Durante a década de 1830, Filippe Patroni, além de ser juiz de fora da vila Real de Praia Grande e Maricá, também mantinha escritório de advocacia no centro da cidade do Rio de Janeiro, tendo se estabelecido em diversos endereços diferentes. Obsecado pelo Direito, em 1835 publicou um dos seus primeiros trabalhos polêmicos, A bíblia do justo meio da política moderna ou prolegómenos do Direito Constitucional da Natureza. Sobre esta e outras obras de Patroni, o Barão de Guajará publicou um artigo na revista do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Pará, em dezembro de 1900, intitulado Juizo crítico sobre as obras literárias de Felippe Patroni. Trata-se de uma crítica extremamente ácida que, embora tenha muita razão, também desconsidera opiniões de Patroni que estavam muito a frente de seu tempo. Assim, quanto A bíblia do justo meio, Raiol afirma que Patroni encerra “contra-sensos inqualificáveis” e os aponta:

“- que a honra, a nomeada, a glória, o conceito, a opinião, a fama, a celebridade, tudo é nada ou coisa vã que não existe!” (PATRONI apud RAIOL, 1970; 215)

            Num mundo de títulos nobliásticos, comendas, pompas; honra, glória, fama, celebridade poderiam ser extremamente relevantes, mas e hoje? Dá-se alguma importância? O dinamismo da vida neste século faz querer levar alguns desses atributos para o túmulo? Os objetivos giram quase todos em torno do sucesso profissional e extremamente pessoal. Assim, onde o Barão de Guajará via loucura já em 1900, hoje não seria vanguarda?

“que o povo nunca pode ter opinião: esta rainha do mundo, que tanto se aplaude, não existe; porque só um número muito limitado de homens a pode tomar. É mera fantasia, e ao legislador incumbe não entreter os erros populares para que nenhum ambicioso e entusiasta de glória queime algum templo famoso com o fim de ganhar celebridade!” (PATRONI apud RAIOL, 1970; 215)

            Neste trecho, absurdo para Raiol, Patroni parece ter visto, profeticamente, a falência insistente da representação, tanto no Império como posterior na República. Quanto mais se deu opinião ao povo, mais se manipulou sua opinião em eleições eternamente fraudadas pelos interesses econômicos. Considerando o estado atual da política brasileira, talvez se possa encontrar nessas palavras a orígem dos maiores problemas da política nacional. Não seria isso uma visão de vanguarda?

            Por outro lado, a novidade de Patroni já dava certos sinais de confusão, como no trecho a seguir:

“- que Deus fez a mulher para reger a sociedade familiar, e lhe deu a secreção mensal com que, expelindo uma certa quantidade de matéria encefálica, se torna inábil para reger a sociedade civil, por ser pedante, charlatã, vaidosa, amante do luxo e dos ornamentos pueris!” (PATRONI apud RAIOL, 1970; 215)

            Por fim, pode-se facilmente concordar com Domingos Antônio Raiol quando afirma que a Bíblia do Justo Meio é uma “maravilhosa coleção de originalidades” e que “revela um homem visionário, amante das novidades, que propende sempre para teorias abstratas e absurdas” (RAIOL, 1970; 216).

No mesmo ano em que publicou sua viagem pelas provínicas, também publicou seu Compêndio de Direito Civil Brasileiro, no qual, além da teoria, procurava demonstrar a prática do foro civil. Patroni revela uma grande preocupação com o exercício do Direito, sem conhecimento específico do arcabouço jurídico. Na prática, muitos rábulas eram autorizados a exercer a profissão, como práticos, por não haver faculdade de Direito. Depois da chegada da Família Real, apenas em 1828 iniciaram os primeiros cursos de direito no Brasil, criados no ano anterior nas cidades de Olinda e São Paulo. No entanto, a demanda estava muito longe de ser atendida (CARVALHO, 2008; 74).

Com esta preocupação em mente, resolveu criar sua própria escola de Direito, a Academia Constitucional da Corte e do Rio de Janeiro, que antenderia às diversas profissões, tais como juiz de paz, jurados, escrivãos, procuradores, coletores, guardas nacionais, empregados públicos, etc. No seu plano, conforme anunciado no Jornal do Commércio, haveria uma cota gratuita para estudantes pobres (12 estudantes), coisa que só seria vista novamente no Rio de Janeiro quase 200 anos depois! Da mesma maneira, seriam matriculados gratuitamente os professores de primeiras letras (público ou particular). Gratuidade também para juizes de paz em efetivo serviço e seus escrivãos, além de administradores ou proprietários de tipografias. Acresce que os lugares gratuitos poderiam ser ocupados por filhos ou parentes de quem tinha direito e não o ocupava (JORNAL, 1937; 3). Infelizmente, não se dispõe de muitas informações desta iniciativa, pois apenas se pode encontrar uma segunda notícia no Jornal do Commércio, na qual informa o início das atividades da Academia Constitucional marcado para primeiro dia de fevereiro de 1837 (JORNAL, 1837; 4). Há ainda uma pequena menção na apresentação da segunda edição (1851) da Bíblia do justo meio, na qual Patroni informava ter admitido na escola, estudantes de todas as idades e talentos, e estar fazendo sempre uso do Ensino Mútuo, que ele acreditava ser a base prima do perfeito magistério” (PATRONI, 1970b; 5).

Rei dos escândalos, Filippe Patroni publicou no jornal Sete d’Abril, no dia 7 de abril de 1837, ou seja, no aniversário da Abdicação, uma Ode a D. Pedro II. Esta ode, redigida em latim, que clamava pela maioridade de D. Pedro II, ensejou denúncia do Governo contra o jornal, pois interpretou-a como injuriosa ao Sr. Regente (SETE, 1837). Fato é que saíra abertamente em defesa do movimento da Maioridade. Pensando no Imperador menino, já em 1838, concebeu uma cartilha para instruí-lo. Neste ano, Patroni requereu o lugar de mestre do Imperador em ciências e literatura. A Obra foi publicada no Pará em 1840, quando resolvera regressar a sua terra natal, desapontado por ter passado dois anos sem solução de seu requerimento (RAIOL, 1970; 216). A Cartilha Imperial é composta de oito capítulos, nos quais Patroni parece conversar com o jóvem Imperador. A crítica do Barão de Guajará recai nos objetos estranhos requeridos pela arte de ensinar (frutas, castiçais de três velas com apenas uma acesa, piano e órgão de igreja), além da forma como faz do Imperador o homem mais sábio do mundo, como se aos treze anos pudesse recitar longos trechos em latim (RAIOL, 1970; 217)!

O político

            Suas pretenções políticas o acompanhavam desde a juventude, mas o exercício do Direito o estimularam desejar uma melhor organização política para o Brasil. Em setembro de 1835 apresentou a Câmara dos Deputados, por carta, a sua obra Código de Recompensa. Nessa obra, Patroni idealizara um sistema de Direito físico e derivado da figura humana. Por mais bizarro que possa parecer, Patroni vinha com propostas inovadoras e vanguardistas para a sua época, como o fim dos monopólios e a classificação de empregos públicos para o fim do patronato (JORNAL, 1835; 2-3)! Estas duas propostas, ainda hoje, refletem grandes ansiedades no meio político e econômico.

            Em 1841 publicou Algebra Política. Raiol se refere a esta obra como mistifólio incompreensível que demonstra já um avanço na perturbação de seu espírito. A obra era composta de doze pentágonos, com vários axiomas. Decorrem de procedimentos de um chamado Quadro Genealógico da organização social por Justo Meio, de um Problema do Octaedro Social e de um Pentateuco do Gênesis Político (RAIOL, 1970; 218). Sua ciência matemática parece estar cada vez mais imbricada com seus princípios cristãos, numa volta constante à religiosidade para explicar cientificamente os procedimentos julgados corretos.

            Um exemplo das abordagens de Patroni está no parágrafo 2° do Pentágono IX e suas ligações:

§2° Guardadas, portanto, as devidas proporções na análise das equações morais achadas na Sagrada Escritura, digo que o Catolicismo é exatamente o sistema constitucional, na sua maior pureza, perfeição, e verdade. É para prova de nossa asserção, passamos a examinar o Sacramento da ordem que foi por nós tomado do 2° axioma para a segunda essência do governo ou meio da sociedade universal do mundo inteiro e orígem da administração, dos ministérios dos estados. (PATRONI, 1975a; 152)

            Segue, Patroni, fazendo as ligações físicas do corpo e morais do espírito, segundo suas ordens: o presbítero com o Primeiro-Ministro; o diácono com o Ministro do Interior; o subdiácono com o Ministro dos Negócios Estrangeiros; o acólito com o Ministro da Justiça, até o exorcista com o Ministro da Guerra (PATRONI, 1975a; 153).

            Eleito deputado pelo Pará na 5° Legislatura (1842-1844), Patroni chegou a proferir alguns discursos em sessões preparatórias. No entanto, o que parece ter sido seu grande objetivo desde 1821, ter um cargo público de deputado na Corte, durou muito pouco. Aquela legislatura estava marcada pela crise; predominantemente liberal, falava-se em monções de desconfiança e obrigar o ministério a renunciar. Ouvindo as orientações de seu Conselho de Estado, o Imperador assinou o decreto de 1° de maio de 1842, dissolvendo a Câmara do Deputados e convocando novas eleições (POMBO, 1967; 74). Acabava assim seus sonhos políticos, poucos meses depois retornou para sua terra natal.

O profeta

            Em Belém morou em casa própria nas proximidades do Palácio do Governo. Possivelmente por difundir-se as notícias de seu desequilíbrio mental, não conseguiu outro bom emprego, mantendo-se de seus rendimentos e dedicando-se a escrever suas teorias (HURLEY, 1936; 73). Em sua maioria tratavam-se de profecias políticas, nas quais observa diversas coincidências de números.

            No Jornal Treze de Maio, fundado por um correligionário da luta pela Independência no Pará, Honório José dos Santos (BARATA, 1973; 236-237), publicou diversos artigos que considerava científicos, mas que na realidade lhe deram a fama da ininteligibilidade e marcaram fortemente a última fase de sua vida com a loucura.

            No ano de 1841, Filippe Patroni publicou seu Projeto do Código Remuneratório do Reino de Portugal, com o qual acreditava que poderia sanar todos os males do Governo Português. Fixo nesta ideia, resolveu mudar-se definitivamente para Portugal, com a finalidade de esclarecer àquele governo sobre seus princípios (HURLEY, 1936; 73).

            Patroni vendeu todos os seus bens em Belém e partiu para Lisboa em 24 de fevereiro de 1851. Contraditoriamente, não teve o gesto nobre de libertar seus escravos, os quais foram vendidos. Não se sabe se por sua degradação mental, já não se importava ou se por uma simples questão de economia racional, não lhe convinha reduzir seu patrimônio em véspera de nova empreitada (HURLEY, 1936; 76).

            Ao chegar em Portugal, mandou republicar praticamente toda sua obra. As últimas publicações de artigos no jornal Treze de Maio foram reunidas num livro chamado A profecia do Novo Mundo. Deste, cita-se um breve exemplo:

O propheta Elias será a epacta com o caracter do cometa de duas caudas do anno onze do século dezenove (1811), pois que no liv. 4° dos Reis o chamão vir pilosus; e o cometa é sempre uma estrella cabelluda? Ou é antes o calculo cometario todo inteiro na representação do seculo cometario, composto dos tres cometas de 6 caudas, de 2 caudas, e de uma só cauda, desde 1744 até 1843? ... Não será elle o planeta Decimo Terceiro com o seu satellite lança da helice que nos livros santos tem o nome de propheta Elizeu? ...Ou este Elizeu é uma evoluta da cyssoide de Diocles, que está figurada no livro de Esther, de que é parte o mesmo Elias representado em o Novo Testamento (como diz claro o próprio Jesus Christo no Evangelho) por João Baptista? ...(PATRONI, 1951; 49-50)

            Tentar interpretar as muitas profecias contidas nesse livro, escritas na forma de enigmas, seria uma tarefa assás hercúlea e não caberia em um artigo, contudo parece que, tomadas a sério ou não, serviu de divertimento intelectual à sua época.

            Patroni faleceu de apoplexia (derrame) em Lisboa, aos sessenta e oito anos de idade, em 15 de julho de 1866 (HURLEY, 1936; 76).

Considerações finais

            A conturbada vida, carreira e produção literária de Filippe Patroni revelam alguns ideais que eram muito a frente de sua época e, portanto, contribuíram em grande medida para o pensamento político-social da nação brasileira.

            O conceito de limitação constitucional há muito faz parte da vida brasileira, tanto no Império quanto em toda a República, mas foi a iniciativa paraense que moldou os rumos da política nacional, pois que o Pará foi a primeira província a abraçar uma Constituição, em detrimento do absolutismo.

Do mesmo jeito, Patroni foi um dos primeiros homens a falar abertamente em abolicionismo, e isto numa época em que tais ideias eram temerárias ou até crime. Suas palavras levaram as primeiras sementes de liberdade na província. Também, sua contribuição para o processo de Independência pode ter poupado muitas vidas de patriotas, pois que quando da chegada do fraco braço armado do nascente Imperio Brasileiro, o povo paraense já estava pronto para aderir ao movimento, mesmo que apenas diante de uma leve brisa de soberania da nova nação. Além de deixar o legado da Imprensa no Pará, que iniciada em 1822, logo se multiplicou por todos os redutos amazônicos, nivelando as províncias setentrionais com a vanguarda meridional. Acresce sua clara opção pelo movimento da Maioridade de D. Pedro II, durante sua longa estada no Rio de Janeiro.

A sua trajetória jurídica também deixou suas marcas, num país onde muito pouco havia de ensino das leis. Mesmo na sua principal atividade financeira, o exercício do Direito, preocupou-se e expôs a necessidade de qualificação para diversas profissões correlatas, além de vislumbrar a necessidade do ensino superior gratuito para estudantes pobres, professores de primeiras letras e outros.

Seu legado também se perpetua nos registros importantíssimos da vida e cotidiano dos sertões de todas as regiões brasileiras, além de ter se tornado um dos primeiros historiadores nacionais ao publicar importantes epsódios da história do país.

Por fim, seja pela produção literária, seja a atitude de vanguarda ou a participação direta, Filippe Patroni prefetizou os movimentos que mais marcaram o Brasil nos últimos séculos e equipara-se as maiores personalidades intelectuais do Império Brasileiro.



REFERÊNCIAS

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[1] Primaz do Brasil – Título outorgado ao arcebispo da Arquidiocese da Bahia, a mais antiga do Brasil.

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