terça-feira, 19 de janeiro de 2010

MOBILIZAÇÃO PELO HAITI

            Da mesma forma que muitas pessoas do Brasil e do Mundo, ainda estou chocado e emocionado com a tragédia ocorrida no Haiti, no dia 12 de janeiro de 2010. Acompanho atentamente os últimos acontecimentos, com muito pesar pelos companheiros brasileiros, pelo sofrido povo haitiano e pelos representantes da ONU, mortos no terremoto. O que me motivou a sair da inércia e escrever estas linhas foi tão somente a preocupação com algumas figuras públicas que, como tal, são formadoras de opinião, mas que são incapazes de vencer a miopia proporcionada por suas banheiras de espuma e, publicamente, querendo parecer politizadas, fazem declarações equivocadas e absurdas. Chamou-me a atenção os rabiscos impróprios da cantora Sandy, criticando o excesso de mobilização no Brasil com o caso Haiti e pedindo uma reflexão. Deixou claramente sua opinião de que a mobilização solidária no Brasil e no Mundo é desproporcional e que aqui se esquece das tragédias ocasionadas pelas chuvas.

            Pois bem, vejo que a jovem não tem a menor idéia da dimensão da tragédia no Haiti, tragédia esta que já vinha ocorrendo mesmo antes do terremoto e que agora tomou proporções inimagináveis. A mobilização ocorrida tanto para o caso das chuvas no Brasil quanto para a tragédia no Haiti só não é proporcional pelo óbvio fato de que no caso haitiano esta ainda precisa ser muito maior! Não é necessário ir ao Haiti para se compreender isto, basta apenas, como disse antes, vencer a miopia de suas banheiras de espuma! No entanto, tive a honra de compor o 3º contingente brasileiro na Missão de Estabilização da ONU para o Haiti, MINUSTAH, e vi com meus próprios olhos a tragédia que já ocorria, muito antes do terremoto. Fome e sede há muito fazem parte do cotidiano deste povo. Desde 1990 não há fornecimento de energia elétrica no Haiti, portanto tudo que compõe a realidade de certas “celebridades” aqui no Brasil, é uma utopia inimaginável para a quase totalidade da população haitiana. Em Port-au-Prince só é possível ter energia elétrica se a pessoa tiver dinheiro para bancar o combustível de um gerador e isto está muito longe de ser a realidade geral naquela capital. Ao andarmos pelas ruas, víamos, com muita frequência, crianças mendigando. Comida? Não! Estão satisfeitos com seus atrofiados estômagos repletos de biscoitos de argila! Argila, barro, isso mesmo! As crianças mendigam, implorando por ÁGUA! Aos pedidos de: Dlo! Dlo! Querem água, pois praticamente não há água potável, num país onde a sensação térmica ultrapassa os 50ºC durante o dia.

            É num cenário de verdadeira miséria, agora elevado a níveis surreais, que nosso militares, desde 2004 estão indo para aquele país. Não é surpreendente que muitos, ao terem contato com uma realidade tão dura, não queiram regressar para o Brasil, pois são assolados por aquela sensação avassaladora de que ainda podem fazer mais para ajudar! Quantos eu vi, ao término da missão de meu contingente, afirmarem que se algum dia tiverem a possibilidade de voltar ao Haiti para continuar ajudando este povo, não deixariam passar a oportunidade!

            Já que menciono esta vontade de voltar e continuar ajudando àqueles que vivem um pesadelo sem precedentes, gostaria de fazer uma justa homenagem aos militares e civis brasileiros que deram suas vidas para tentar levar algum conforto ao povo haitiano. Faço-o a todos, homenageando o amigo e companheiro do 3º contingente, Coronel Emílio Torres dos Santos. Justamente um dos que prometeram, se possível, retornar ao Haiti e o fez! Lamentamos e choramos a sua morte no terremoto, mas estamos também cheios, plenos de orgulho. Orgulho de nossos brasileiros que não conhecem a miopia da banheira de espuma! Brasileiros heróis por saberem ser parte da ajuda! Brasileiros que se doam incondicionalmente ao próximo!

Coronel Emílio (extrema direita) durante operação em Bel-Air, Port-au-Prince, em 2005.

            Os números da tragédia haitiana ainda são incertos, pois como todos podem acompanhar pelos jornais, não há qualquer estrutura para se fazer nem uma contabilização parcial. Todos foram afetados e a ONU, na figura da MINUSTAH, ainda está atordoada, tendo que resgatar também seus próprios mortos na sua sede que também desmoronou. Certo é apenas que os números são muito altos e que pelo menos 70% da capital haitiana está em ruínas. Portanto o esforço de mobilização terá que ir, sem a menor sombra de dúvida, além dos nossos umbigos.

            Termino reafirmando que se a mobilização com o Haiti é desproporcional é porque ainda é pequena! Para a jovem senhora Sandy, solicito que escute um pouco a opinião dos “ignorantes de plantão” (como a mesma se referiu a quem se indignou com as idiotices que escreveu em seu Orkut e veio a público). E, principalmente, não queira se fazer de politizada. Se não puder contribuir, não se manifeste! Se o fizer, procure uma consultoria antes de publicar asneiras na Internet, ou guarde para seu círculo de “não-ignorantes de plantão”! Em contra partida, parabenizo o cantor e compositor Calinhos Brown por seu engajamento na mobilização para ajuda ao Haiti!

2 comentários:

  1. Prezado Baptista, antes tarde que inoportuna. Você tem o meu eterno apoio. Estivemos lá! Força e honra. Wellington (JOM). Minustah 3º Contingente.

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  2. Texto objetivo e muito oportuno.
    Parabéns pelos esclarecimentos sobre a tragédia "instituida" no Haiti e pela resposta polida, porém pragmática o suficiente para fazer calar a ignorância de quem nunca foi lá, nem para cantar, nem chorar, nem para ajudar.
    Quem dá a vida para proteger a vida não pode ser menos que Heroi. Congratulações sinceras.

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